Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

Ocorreu-lhe o pensamento doloroso de que talvez o fizesse de propósito, que também ele
acreditasse que ela cedera aos avanços do rei, como parecia ser a crença de tantos outros.
Porém, ela não deveria pensar nele. Ele tinha uma esposa e uma filha, ambas recolhidas na
segurança de Cobham.
Frances chegara ao banco da rainha e foi agradecida que se deixou cair de joelhos,
escondendo o rosto entre as mãos para que ele não lhe visse a esperança desiludida que lhe
brilhava nos olhos. O resto da missa passou muito depressa e, quando terminou, Charles
desaparecera.



  • Venha – disse Mall, com uma mão no cotovelo dela. – Procuremos a sua mãe.
    Enquanto seguiam os fiéis em direção ao pórtico da igreja, de súbito todos pararam, em
    silêncio.
    Barbara Castlemaine, num vestido sumptuoso de seda azul-escura, com os ombros desnudos
    claramente visíveis sob uma capa de arminho, entrou na capela e avançou para o confessionário.

  • Já não era sem tempo – murmurou um cortesão para outro.

  • Espero que o padre tenha a manhã livre, para o rol de pecados dela.
    Atrás do porte majestoso de Barbara, seguiam uma ama e duas crianças pequenas.
    Frances havia visto ambas as crianças noutras ocasiões, mas raramente juntas como naquele
    dia, um menino e uma menina, de mãos dadas. E o que a impressionou foi algo em que nunca
    tinha reparado daquela maneira, que, dos caracóis pretos aos olhos brilhantes de um Medici,
    eram representações fiéis do pai, o rei Carlos II.
    Mall seguiu-lhe o olhar.

  • Sim – sussurrou com audácia, como se lhe lesse os pensamentos –, é assim com todos os
    bastardos do rei. São tal e qual o pai.
    Barbara passou por elas sem sequer dar sinal de as reconhecer.

  • Antes assim – comentou Mall, encolhendo os ombros. – Saiamos para o ar fresco.
    O coração de Frances acelerou. Estaria ele entre a multidão, na esperança de a vislumbrar?
    Muitos se tinham reunido para tagarelar e saudar conhecidos nos jardins diante da capela.
    Alguns já avançavam para as escadas, onde apanhariam botes ou barcaças que os levariam rio
    acima ou abaixo. Frances perscrutou a multidão, mas não viu o duque em parte alguma.
    De repente, a sua mãe surgiu do meio da multidão e, sem se justificar, abraçou-a com muita
    força. Era um gesto tão inusitado que a deixou siderada. A expressão da sua mãe congratulava-a
    em silêncio, e o alívio que demonstrava não era pouco. Frances olhou para Mall com uma
    sobrancelha arqueada. Sophia Stuart tinha discernido, tal como o resto dos fiéis, que o prémio
    continuava intacto.
    Para manter a compostura, Frances afastou-se. Iriam desjejuar no grande átrio, já que não se
    podia comer antes da sagrada comunhão.
    Apesar de se sentir quase a desmaiar de fome, Frances não suportava os olhares vitoriosos da
    mãe.

  • Preciso de um pouco de ar puro. Irei lá ter depois.
    A mãe estremeceu.

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