Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

  • Mas faz muito frio e tu deves estar faminta, filha.

  • Recebi sustento espiritual suficiente – respondeu ela, evitando o olhar irónico que Mall lhe
    lançava, pois sabia que sorriria se olhasse para ela.
    Contudo, depois de elas partirem, Frances não caminhou para sul, em direção aos jardins com
    fontes, mas para norte, atravessando o adro e passando por baixo de um passadiço de tijolos
    que dava passagem, pela portaria, à azafamada Strand. Uma fileira de lojas espraiava-se para
    oeste e para leste, todas elas propriedade da rainha-mãe, como parte do dote do seu casamento
    com o rei Carlos I.
    Frances olhou em direção ao arraial, mas não encontrou o que procurava. Da extremidade da
    Strand, partia um labirinto de ruelas e becos. Evitando as carruagens que esperavam ali, passou
    por entre os cavalos e ali ficou, a segurar o vestido para que não se sujasse.
    Porque estaria a fazer aquilo, se o vestido ficaria enlameado e os seus sapatos preferidos,
    com rosas vermelhas de seda, também se estragariam?
    Depois divisou-o e estacou.
    Ele acabara de dar um xelim a uma pequena pedinte, que tinha um bebé nos braços. Ela
    também parecia ser apenas uma criança.

  • Obrigada, senhor – disse a rapariga, com o rosto esquálido e sujo iluminado por um sorriso
    repentino. – Agora posso comer, senhor, e alimentar a bebé e tudo. – A rapariga estudou-o por
    um instante. – Tome, senhor, importa-se de lhe pegar enquanto eu guardo o xelim no sapato? –
    Sorriu-lhe com um ar convidativo. – É que não se pode confiar em ninguém nos tempos que
    correm, não é, senhor?
    Frances quase se riu, curiosa por saber como ele reagiria. Os nobres não davam colo a bebés,
    sobretudo se fossem de pedintes.
    Para seu grande espanto, ele aceitou a bebé e segurou-a com cuidado, colocando uma mão
    debaixo da pequena cabeça da criança e sorrindo-lhe com ternura.

  • Que idade tem ela?

  • Seis meses, senhor.

  • Seis meses – repetiu ele, com um suspiro. Depois, por impulso, tornou a levar a mão ao


bolso. – Tome, fique com um anjo de ouro^10 para ela.



  • Um anjo, senhor? – A rapariga olhou para a moeda dourada como se estivesse a escaldar e
    pudesse queimar-lhe a mão pequena e imunda. Muito depressa, esticou-se e deu-lhe um beijo no
    rosto. – Que o Senhor o abençoe, senhor. – Guardou a moeda no outro sapato. – Levo-a agora,
    senhor? – perguntou, já envergonhada mas também ansiosa por partir com a boa fortuna que lhe
    calhara, antes que o fidalgo mudasse de ideias ou que a grande mão da autoridade se abatesse
    sobre ela e anunciasse que tudo não passara de um engano.
    Charles levantou a cabeça e viu Frances que, surpreendida, se apercebeu de que lhe corriam
    lágrimas pelo rosto.
    Ele apressou-se a devolver a bebé à mãe.

  • Ela gostou de si, senhor. Obrigada e que a sorte o acompanhe – disse a pedinte antes de se
    esgueirar para uma ruela estreita, onde não tardou a desaparecer.

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