salvar-me da melancolia que se instala em mim como um nevoeiro gélido.
- Ela é apenas uma donzela jovem, não a deusa por quem a toma.
Mall suspirou. Apesar das suas declarações de amor, ela conhecia-o bastante bem. Percebia
que era de facto a resistência de Frances o que lhe ateava a paixão. Quando ficasse a conhecer a
rapariga realmente, quando compreendesse a sua natureza determinada e prática, para além do
quanto lhe desagradava a vida da corte, depressa se fartaria dela. E a que custo, para Frances?
Para mais, ia Mall pensando, ela também amava Frances, como se esta fosse sua filha ou
irmã. Vira a dor que ela sentia por ser usada e o abismo que isso quase criara entre elas, e
soube que não poderia fazê-lo. - Fora qualquer outra que me pedisse ajuda para conquistar, eu fá-lo-ia de bom grado.
Contudo, preferiria entregar as minhas pérolas ou diamantes mais preciosos, ou até a reputação
ou a posição que tenho nesta corte, do que trair Frances. - Ser venerada por um rei é uma traição assim tão terrível? – A raiva amargurava-lhe a voz. –
Haveria quem lhe chamasse uma honra. - Não é o que ela deseja – ripostou Mall, sabendo o risco que corria por tentar ser honesta. –
Ela não é como Lady Castlemaine, Majestade. A riqueza e a ascenção social não são muito
importantes para ela. - Então por que anseia ela?
- Uma casa própria. Um marido, uma lareira, filhos...
Carlos soltou uma risada amarga. - E não pode levar uma vida tão inocente com alguém como eu.
- O senhor é o rei, Majestade! E há a questão da rainha.
- É verdade. – Virou-lhe costas e começou, com gestos zangados, a dar corda a um dos seus
relógios. – E quem é que ela vê do outro lado da lareira, nesse sonho de vida familiar?
Mall hesitou. Julgava compreender realmente o coração de Frances. - Quem? Diga-me!
- Parece-me que desenvolveu uma certa ternura em relação ao duque de Richmond,
Majestade. - O meu primo Charles Stuart? Esse beberrão! Como poderá ela preferi-lo a mim? Só obteve
o título através do seu infortúnio, Mall, e dos atos nobres dos irmãos dele. Para além disso –
lembrou-se então o rei –, ele não tem também uma esposa? - Creio que ela faleceu depois do parto. E a filha seguiu-a.
- E isso comove o coração jovem de Mistress Stuart! Sim, e não lhe deixa ver os defeitos que
ele tem, não vê que é um bêbedo e um perdulário. – Parecia ter tomado uma decisão. – Mande-a
vir aqui. Agora!
Muito apreensiva, Mall deu instruções a um pajem para que encontrasse Mistress Stuart e a
trouxesse à presença deles.
Pouco depois, Frances chegou, com o belo rosto empalidecido e os olhos cinzentos cheios de
perguntas. - Proíbo-a – quase gritou o rei, ao voltar-se para ela. – Proíbo-a de se rebaixar ao nível do