55
N
inguémavisa quandochegaofim. Umadas transfor-
maçõesda meia-idadeéoconvíviofrequente com a
morte.Antes, pareciaalgo distante, atingiaapenas avós, os
idosos,os acometidospor infortúnioou vítimasde tragé-
dias. Agora,éoamigode infânciaque se vai antes do tem-
po,oantigo chefe,amãe da amiga,tão jovem,opai do
colegade trabalhocom quemtanto aprendemos.De re-
pente, puf!Não está mais lá. Velório,enterro,choro,reza,
tocamosavidaadiante.Cresceovazio.Oquefaltaparecea
cadadia maiordiante do que fica. Areaçãocomum éo
silêncio.Todos morremum dia. Ninguémfala na morte,
muito menosna própriamorte.“É um tabu. Fica relegado
aos hospitais,distante do público,nos limitessecretosdos
profissionaisde saúde”,escreveuaromancistaeroteirista
australianaCoryTaylor emDying(Morrendo).
Suasmemóriasforampublicadasem2016, semanas
antes de ela morrer,vítimadeumcâncerdepele desco-
bertomaisde dezanos antes,que se espalhou aos poucos
eatingiucérebro,rins eoresto do corpo. Escreversobre o
própriofim foi uma formade quebrarotabu que cerca o
tema. “Perdemos nossos rituais comuns,nossa lingua-
gem comum para morrer”, diziaCory. “Uma morte lenta,
comoaminha, tem uma vantagem.Você tem muito tem-
po parafalar, paradizer comosesente, paratentardar
sentidoàcoisa toda,àvida que está chegando ao fim,
tanto para vocêquanto para os que ficam.” Àmedidaque
ocorpodefinhava, suamente se concentrava na tarefa de
“contar algo significativo antes de ir embora”.Filhade
um piloto de avião,Corymoraraem várias cidades aus-
tralianas,emFiji,noQuêniaenoJapão,terradeseumari-
do.Seu mundo fica restrito ao quarto eàsala de casaem
Brisbane.Escritoraconhecida,participadeumprograma
de televisão parafalar da própriamorte.As perguntas do
público são idênticasàs que ela própriase fazia desdeo
diagnóstico. Obom sensodas respostas mostra comoli-
dar de modomadurocom otabu.
- Temuma lista do que fazerantes de morrer? “Não.É
minha alegria esse troçochamadoescrever,desde criança.” - Pensou em suicídio? “Sim, permaneceuma tentação
constante.”Ela chegou aencomendar uma drogaproibi-
da da China, masresistiu ausá-la.Alei australiananão
permite osuicídioassistido, eela temia pelo impacto da
decisão no marido enos dois filhos.
3.Ficoureligiosa?“Não,nãoexperimenteiumaconver-
são tardiaanenhumafé.Sesignificaque vou diretoao
Infernodepoisde morrer,que assimseja.”
4.Crêemvidadepoisdamorte?“Não,póaopó, cinzas
àscinzasresumetudo.”Masreconheceserimpossívelen-
frentar oassunto sem refletirsobreotema.
“Morrerexpõemais que tudo
alimitaçãodo secularismo.”
- Está assustada?“Sim,mas não otempo todo.” Ao
receber oprimeiro diagnóstico,ficou apavorada.“Não ti-
nhaideiadequeocorpopoderiasevoltarcontrasimesmo
eincubarseu próprioinimigo.Depois me acostumeia
morrer.Tornou-secorriqueiro.” Seu maiormedo era que
avida fosseprolongadasem necessidade. “Não queroin-
tervenções,nada que adie oinevitável.” - Temarrependimentos? “Sim, mas,assimque você
começa areescrever seu passado, se dá conta de como as
falhaseerros são oque define você.Leve-os embora, e
você não énada.” - Mudouasprioridades? “Não,minhas prioridades
continuamasmesmas.Trabalhoefamília.Nadamaisnun-
ca importoupara mim.” - Está infelizou deprimida?“Não,mas às vezessinto
raiva.Porque eu? Porque agora?” - Corremaisriscosagoraque otempo écurto?“Não,
não vou fazermergulhosubmarinonem paraglide.” - Do que sentirámais falta?Resposta curta:“Meu
maridodemaisde31anos eorosto de meusfilhos”. Res-
postalonga:“Omundoetudonele:vento,sol,chuva,neve
etodo oresto”.
11.Peloquegostariadeserlembrada?“Peloqueescrevi.
Se você não contar aprópria história,outroscontarão.”
H.G.
[email protected]
@gurovitz
HELIO GUROVITZÉJORNALISTA
EBLOGUEIRODO PORTALG1
COMOLIDARCOM
OTABUDAPRÓPRIAMORTE
DYING
CoryTaylor,TinHouse
2017|152páginas|US$19