Época – Edição 1077 (2019-02-25)

(Antfer) #1

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A


baiana Maria SoniaSouzaGoiabeira, de 65
anos, trabalhahádez anosnoapartamen-
to de umcasalde classemédiano bairrodo
Paraíso,nacapitalpaulista.Ela se sentecomo
parte da família. Chegouàcasa quandoocasal
haviaacabadodeter oprimeiro eúnicofilho,
Guilherme, hojecom 10 anos.Para Goiabeira,
ele éoGuiguinho.Hácincoanos, abaiana deu
entradaemseu pedidode aposentadoria. Era
omeio da crisede 2015eospaisdeGuigui-
nhotiveram de cortargastos. Para nãoperdê-
la, os patrõesfizeramumaproposta. Goiabei-
ra, queera mensalistaeregistrada, seriade-
mitidade acordocom alei e, depois, passaria
atrabalharcomodiaristaduasvezesporse-
mana. Eassimfoi. “Elajá vinhaquerendo di-
minuir umpoucootrabalhoporcausado
cansaço edaidade, eagente decidiu, porcau-
sa da crise,ter duasdiaristas em vez de uma
mensalfixa”, disse Beatriz F.,apatroa.
Osaláriode Goiabeiranuncamaisfoi o
mesmo.Àsterçasequartas,ela sai da casa
da filhaemSão Mateus,periferia da Zona
LestedeSão Paulo,ondemora, paracozi-
nhar,passarelavar no apartamento de Bea-
triz.Sãoduashorasdeônibus,metrô eca-
minhadaparair emais duashoraspara vol-

tar.Comodiarista, ganhacercade R$ 900,
bemmenosqueos quaseR$ 2mil de quan-
do era mensalista. Oque salvaéaaposenta-
doria, de R$ 900.“Passeiaganharmenos,
masestábom.Fiqueipreocupadaporqueeu
pagoplanode saúdeetomoremédiospor
causa da idade, paradiabetes. Masdepois vi
que,comonão tenhode pagaraluguel,deu
certo.Não foi assimparamuita gente, nãoé,
queperdeuoemprego.Agente ouviumuita
históriaassim.Teve muito patrãoqueperdeu
oempregoenão tinhacondiçãodepagaras
empregadas”, contou aaposentada.

M

ãe de seisfilhos, omais novocom 37
anos,Goiabeira comentou comorgulho
sobre otrabalhode doméstica,enquanto cozi-
nhava panquecas de frangopara ojantar dos
patrões.Aindahojetelefona,às vezes,para a
antigapatroa,umaidosaparaquemtrabalhou
por 12 anos, paraconversar.Desdeque veioda
Bahia,Goiabeiratrabalhouem setecasasde
família.Na maiorpartedo tempo,fez dessas
casasseu teto, dormindo no emprego.
No MéxicodeRoma,assimcomono Bra-
sil deQue horas elavolta?,muitos patrões e
patroastratamas domésticascomopessoas
da família —emalgunscasos as ajudama
comprar um terrenona periferia eaconstruir
umacasa.Isso,noentanto,não muda ofato
de queos filhosdos patrõestêm umlugar
quasecativo na elite. Já os filhos das domésti-
cas, por frequentaremumaescola muitopior,
têmbaixamobilidade social. Casosde supera-
çãosão raros, comomostraoexemplo da mi-
neiraMargareteTeodorade Deus.Recém-
chegadaaSãoPaulo,vindadeGovernador
Valadares,aos 22 anos,ela se viu grávidado
namorado.Opai da criança desapareceu.“Vi-
vemosavida todaeu eele. Nemosobrenome
opai deu.”Hoje, aos 51 anos,omaiororgulho
delaseráformarno meiodesteanooúnico
filho,Carlos,engenheiro.Amaiorparteda
criaçãodo meninofoi comotrabalhodela
em casasdefamília. Masacrise econômicade
2015 quaseinterrompeuos planosdadomés-
tica.Suapatroaficoudesempregadapor pou-
co maisde um ano,eela sabia que,se perdes-
se oempregofixoem queganhava cercade
umsalário mínimo,não teria outrojeitose-
nãotrancar ocursode Carlos.“Fiquei orando
aDeuspara ela arrumarumempregologo,
paraeu nãoperderomeu. Ela demoroue,
mesmoassim, nãome mandouembora.”

CRÔNICATRABALHISTA

Casal leva babá eseus
filhos amanifestação
em Copacabana,
no Rio de Janeiro,
em marçode2016


REPRODUÇÃO
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