sala de estar. Pelas persianas, Gabriel pôde ver a luz da televisão e algo que
supôs ser a tênue silhueta de um homem.
Consultou o relógio: eram 2h37 da manhã. Pela frente, três horas de
escuridão. Depois, não haveria mais passeios até o jardim para o homem
dentro da casa. Ele certamente sairia atrás de um último sopro de ar fresco e
mais uma olhada no céu, mesmo não havendo lua nem estrelas, apesar de o
ar estar parado. Então, do fosso de drenagem no lado sul, viria um único
tiro. E tudo teria início: catre, algemas, capuz, balde, mulher fora de si.
Ele olhou de novo para o relógio: apenas dois minutos tinham se
passado. Estremeceu em meio ao frio. Talvez Keller tivesse razão, talvez ele
fosse um espião caseiro, afinal. Para ajudar a passar o tempo, visualizou a si
mesmo na frente de uma tela. Era a pintura que tinha deixado para trás em
Jerusalém — Suzana se banhando no jardim, observada pelos anciãos da
aldeia. Novamente substituiu-a por Madeline, embora dessa vez tratasse de
feridas causadas pelo cativeiro, e não pelo tempo.
Gabriel trabalhou devagar mas com firmeza, consertando as feridas
em seus pulsos, adicionando carne aos ombros atrofiados, e cor às faces
encovadas. Ao mesmo tempo, ficou de olho na passagem dos minutos e na
casa, que aparecia para ele como o plano de fundo da pintura. Por duas
horas não ouviu qualquer movimento. Então, quando a primeira luz surgiu
no céu, uma das portas francesas se abriu devagar e um homem entrou no
jardim de Madeline. Alongou os braços, olhou para a esquerda, para a
direita, e para a esquerda de novo. A pedido de Madeline, Gabriel
completou rapidamente a restauração. Ao ver o lampejo ao sul, levantou-se
com a arma na mão e começou a correr.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1