A Garota Inglesa

(Carla ScalaEjcveS) #1

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MARSELHA — LONDRES


O voo seguinte para Heathrow era às cinco horas da tarde. Gabriel
comprou roupas novas numa loja de departamentos perto do Velho Porto e
deu entrada num hotel deprimente para viajantes, adjacente à estação de
trem, para tomar banho e se vestir. Jogou as roupas antigas numa lixeira
cheia atrás de um restaurante, deixou a moto num lugar onde, sem dúvida,
seria roubada ao cair da noite e pegou um táxi para o aeroporto. O terminal
principal parecia ter sido abandonado para um exército invasor. Gabriel
verificou os sites franceses de notícias para verificar se a polícia já tinha
encontrado os quatro cadáveres e comprou uma passagem de primeira
classe para Londres usando o nome Johannes Klemp. Durante o voo,
recusou todas as ofertas das aeromoças, bem como as tentativas de seu
colega de assento, um banqueiro suíço careca, de entabular conversa.
Preferiu ficar olhando com melancolia pela janela. Não havia muito para
ver naquela noite, pois uma camada densa de nuvens cobria todo o norte da
Europa. Só quando o avião chegou a alguns milhares de pés do chão é que as
lâmpadas amarelas de vapor de sódio conseguiram atravessar a escuridão.
Para Gabriel, a iluminação do oeste londrino pareceu um mar de velas
votivas. Fechou os olhos e visualizou a mulher com uma capa impermeável
em frente ao altar de uma igreja escura e antiga, fazendo o sinal da cruz
como se não estivesse habituada com o gesto.
Ao sair do avião, Gabriel entrou numa fila de passageiros que
seguiam para o controle de passaportes. O agente de alfândega, um sique
barbudo com um turbante azul escuro, examinou seu passaporte com o
ceticismo que o documento merecia e, depois de carimbá-lo com violência,
lhe deu boas-vindas à Grã-Bretanha. Gabriel guardou o passaporte no bolso
do casaco e andou até o saguão de desembarque, onde Nigel Whitcombe,
um agente do MI5, estava em meio à multidão, segurando um pedaço de
papel onde se lia Sr Baker. Ele era um assistente de Graham Seymour que
costumava auxiliá-lo em tarefas sigilosas. Tinha cerca de 35 anos, mas
parecia um adolescente espichado. Suas bochechas eram rosadas, sem pelos,
e o sorriso inseguro que mostrou ao apertar a mão de Gabriel era tão inocente
quanto o de um sacerdote. A aparência benevolente se revelara um recurso
útil para o MI5. Ela ocultava uma mente tão astuta e tortuosa quanto a de
qualquer terrorista ou criminoso profissional.

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