A Garota Inglesa

(Carla ScalaEjcveS) #1

humilhações militares na história da Inglaterra. Na primavera de 1940, mais
de trezentos mil membros da Força Expedicionária Britânica foram
evacuados das praias de lá enquanto a França era derrubada pela Alemanha
nazista. Na pressa para partir, os ingleses tiveram que abandonar material
suficiente para equipar dez divisões militares. Os sequestradores poderiam
ter escolhido o hotel sem saber disso, mas Gabriel duvidava.
O Hotel de la Mer não ficava de fato perto do mar. Compacto, limpo
e coberto por uma camada fresca de tinta branca, dava vista para o estuário
que separava a cidade em duas. Gabriel passou pela entrada três vezes
antes de parar numa vaga oblíqua ao longo do cais. Nenhum funcionário do
hotel foi ajudá-lo — não era esse tipo de lugar. Esperou um carro passar
antes de desligar o motor. Depois de enterrar a chave bem fundo no bolso da
frente da calça, saiu depressa do Passat. As duas malas estavam
surpreendentemente pesadas. Se Gabriel já não soubesse qual era o
conteúdo, acharia que Fallon as enchera com pesos de chumbo. Gaivotas
voavam lentamente em círculos, como se torcessem para que o fardo o
fizesse desabar.
O hotel não tinha um saguão propriamente dito, apenas um átrio
apertado com um recepcionista careca, magro e meio sonâmbulo sentado
atrás de um balcão. Apesar de haver apenas oito quartos, ele levou um
tempinho para encontrar a reserva. Gabriel pagou em dinheiro, violando a
exigência dos sequestradores, e deixou um depósito generoso para
eventualidades.
— Há uma segunda chave para o quarto? — perguntou ele.
— É claro.
— Posso ficar com ela, por gentileza?
— E quanto a mademoiselle Ricard?
— Vou deixá-la entrar.
O recepcionista franziu a testa em desaprovação enquanto passava a
chave extra por cima do balcão.
— Não existem outras? Só essa?
— A camareira tem uma chave mestra, claro, e eu também.
— E você tem certeza de que não há ninguém no quarto?
— Positivo — respondeu o recepcionista. — Eu mesmo acabei de
arrumá-lo.
Por conta da gentileza, Gabriel depositou uma nota de 10 euros no
balcão, que foi tomada por uma mão encardida e desapareceu no bolso de

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