A Garota Inglesa

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Eu precisava perguntar.
— Agradeço a gentileza.
Keller olhou para a televisão de cara feia. Evidentemente, um dos
times fizera gol, pois os homens de calção estavam pulando como crianças
num play-ground. Mas não Gabriel: ele fitava as águas do estuário, com a
imagem de Madeline arrancando a pele do dorso da mão. Quando o
telefone enfim tocou às 3h48, o barulho o assustou como o grito de uma
mulher aterrorizada. A mesma voz de sempre falou com ele. Após alguns
segundos, ele olhou para Keller e assentiu.
Era a hora.
O recepcionista da noite não estava em lugar nenhum. Gabriel
depositou as chaves do quarto no escaninho atrás do balcão e levou as duas
malas até a rua molhada. O motor do Passat ainda estalava da viagem
anterior. Ele guardou a bagagem no porta-malas e sentou-se no banco do
motorista. O telefone começou a tocar enquanto Gabriel fechava a porta. Ele
atendeu e o colocou no viva-voz.
— Vá para a A16, na direção de Calais — instruiu o sequestrador. —
E, em hipótese alguma, desligue o telefone. Se a ligação cair, a garota vai
morrer.
— E se eu ficar sem sinal?
— É melhor que não fique.
Era uma estrada de quatro faixas com torres de luz no centro e
fazendas em ambos os lados. Gabriel se manteve no limite de velocidade, 90
quilômetros por hora, apesar de a estrada estar quase vazia. Dirigiu com
apenas uma das mãos, segurando o telefone com a outra, verificando
cuidadosamente o sinal. Na maior parte do tempo, o aparelho manteve
cinco tracinhos, mas, por alguns ansiosos segundos, diminuiu para apenas
três.
— Onde você está? — perguntou a voz a certa altura.
— Chegando à saída para a D219.
— Continue.
Mais do mesmo: plantações e luzes, um pouco de lentidão no
trânsito, um cabo de energia que prejudicava o sinal de celular.
Quando ressurgiu, a voz se fazia ouvir em meio a uma tempestade
de estática.
— Onde você está?
— Seguindo a D940.

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