A Garota Inglesa

(Carla ScalaEjcveS) #1

do marido a Lancaster. Ela encarava o primeiro-ministro quase como um
rival sexual, e seu ódio atingira um fervor irracional.
— Você é duas vezes melhor que ele, Simon — comentara Emma na
noite anterior antes de lhe dar um beijo frio na bochecha caída. — Ainda
assim, por alguma razão, você sente a necessidade de fazer o papel de
criado. Talvez algum dia possa me dizer por quê.
Hewitt sabia que o sono não voltaria, não agora; então ficou
acordado na cama e escutou a sequência de sons que sinalizavam o começo
de seu dia. O baque dos jornais matinais na porta. O gorgolejo da máquina de
café automática. O ronronar de um sedã do governo na rua, embaixo de sua
janela. Levantando-se com cuidado para não acordar Emma, vestiu o
roupão e desceu até a cozinha. A cafeteira sibilava raivosamente. Hewitt
preparou uma xícara sem açúcar, pelo bem de sua cintura em expansão, e a
levou para o hall. Uma rajada de vento úmido o saudou quando ele abriu a
porta. A pilha de jornais estava envolta em plástico sobre o tapete de boas-
vindas ao lado de uma panela de barro com gerânios mortos. Ao se curvar,
viu mais uma coisa: um envelope de papel pardo bem selado, sem nada
escrito. Soube na mesma hora que não tinha vindo da sede do governo, pois
ninguém de sua equipe se atreveria a deixar nem o mais trivial documento
ali na soleira. Portanto, deveria ser algo não solicitado. Isso não era incomum;
os velhos colegas da imprensa conheciam seu endereço em Hampstead e
sempre lhe deixavam encomendas. Pequenos presentes por uma
informação vazada no momento certo. Discursos agressivos referentes a
alguma desfeita percebida. Um rumor perverso sensível demais para ser
transmitido por e-mail. Hewitt fazia questão de ficar em dia com a fofoca de
Whitehall. Sendo ex-repórter, sabia que o que era dito pelas costas de um
homem costumava ser muito mais importante que o que era escrito sobre ele
nas primeiras páginas.
Hewitt cutucou o envelope com o dedão para ver se não continha
fios ou baterias, então o colocou em cima dos jornais e voltou para a cozinha.
Depois de ligar a televisão e baixar o volume até um sussurro, tirou os jornais
do plástico e passou os olhos pelas primeiras páginas. Estavam dominadas
pela proposta de Lancaster para tornar a indústria britânica mais
competitiva com uma diminuição das taxas de juros. Como já era de
esperar, o Guardian e o Independent estavam horrorizados, mas, graças aos
esforços de Hewitt, a maior parte das matérias era positiva. As outras
notícias de Whitehall eram misericordiosamente benignas. Nenhum

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