A Garota Inglesa

(Carla ScalaEjcveS) #1

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JERUSALÉM


O coração de Jerusalém, não. muito longe do Ben Yehuda Mall,
ficava a silenciosa e arborizada rua Narkiss. O prédio no número 16 era
pequeno, com apenas três andares, parcialmente oculto por um robusto
muro de pedra calcária e um imenso eucalipto crescendo no jardim da
frente. O apartamento no terceiro andar era igual aos outros, exceto pelo
fato de já ter pertencido ao serviço secreto de inteligência do Estado de
Israel. Tinha uma sala de estar espaçosa, uma cozinha bem-arranjada cheia
de eletrodomésticos modernos, uma sala de jantar formal e dois quartos. O
quarto menor, reservado para uma criança, fora penosamente convertido
num estúdio artístico. Mas Gabriel ainda preferia trabalhar na sala de estar,
onde a brisa fresca que vinha da varanda ajudava a dissipar o cheiro forte
dos solventes.
No momento, ele estava usando uma solução, preparada com
cuidado, de acetona, álcool e água destilada, que aprendera a fazer em
Veneza com o mestre restaurador de arte Umberto Conti. A mistura era forte
o bastante para dissolver contaminações na superfície e o verniz velho, mas
não chegava a prejudicar as pinceladas originais do artista. Gabriel
umedeceu um cotonete feito à mão na solução e o girou delicadamente
sobre o peito empinado de Suzana. Ela olhava em outra direção, banhando-
se, e mal parecia ciente dos dois anciãos lascivos da aldeia que a espiavam
de trás do muro do jardim. Gabriel tinha uma atitude protetora em relação a
mulheres e desejava poder intervir, poupando-a do trauma por vir: as falsas
acusações, o julgamento, a sentença de morte. Em vez disso, continuou o
serviço e observou a pele amarelada dela adquirir um tom branco luminoso.
Quando o cotonete já estava imundo, Gabriel o colocou num frasco
hermético para reter os vapores. Enquanto preparava outro, seus olhos se
moveram lentamente pela superfície da pintura. Até aquele momento, a
obra era atribuída apenas a um discípulo de Ticiano. Mas o proprietário
atual da tela, o renomado negociante de arte Julian Isherwood, acreditava
que a tela tinha vindo do estúdio de Jacopo Bassano. Gabriel concordava —
na verdade, agora que expusera um pouco da pincelada, viu evidências do

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