A Garota Inglesa

(Carla ScalaEjcveS) #1

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PRAÇA VERMELHA, MOSCOU


As quatro horas da tarde, eles já tinham as linhas gerais de um
acordo.
Lazarev preparou um documento com uma página, reservou um
salão particular no Café Pushkin para a comemoração e mandou Mikhail de
volta ao Ritz para algumas horas de descanso. O falso Avdonin percorreu a
pequena distância a pé, acompanhado de perto por Gabriel, que andava do
outro lado da rua com a lapela levantada cobrindo os ouvidos e a boina
baixada até as sobrancelhas. Ele observou Mikhail atravessar a entrada
suntuosa do hotel e continuou ao longo da rua Tverskaya até a Praça da
Revolução. Lá, parou um pouco para ver um imitador de Lênin instando
um grupo de turistas japoneses atônitos a tomarem os meios de produção de
seus soberanos burgueses. Em seguida, cruzou o arco do Portão da
Ressurreição e adentrou a Praça Vermelha.
Já estava escuro e o vento decidira dar uma folga para a cidade
conduzir seus negócios em paz. Com a cabeça baixa e os ombros contraídos,
Gabriel parecia um moscovita acabado qualquer. Percorreu às pressas o muro
norte do Kremlin e passou pelos olhares vazios dos guardas congelados em
frente ao Mausoléu de Lênin. Bem à sua frente, resplandecentes à luz
branca, erguiam-se os domos da Catedral de São Basílio, coloridos como
bengalas de açúcar. Gabriel olhou de relance para o relógio da Torre do
Salvador e seguiu ao longo do muro do Kremlin, até o ponto onde Stálin, o
assassino de milhões, repousava pacificamente num lugar de honra. Lavon
se juntou a ele pouco tempo depois.
— O que você acha? — perguntou Gabriel em alemão.
— Acho que eles deviam tê-lo enterrado num túmulo sem marcação
em algum campo, mas essa é só a minha opinião.
— A barra está limpa?
— O máximo que pode estar num lugar como Moscou.
Gabriel se virou sem dizer nada e conduziu Lavon pela praça até a
entrada da GUM. Antes da queda da União Soviética, aquele tinha sido o
único estabelecimento comercial do país onde os russos sempre podiam
encontrar um casaco de inverno ou um par de sapatos. Agora era um
shopping de estilo ocidental, entupido de todas as bugigangas inúteis que o
capitalismo tem a oferecer. O elevado teto de vidro reverberava com o

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