A Garota Inglesa

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Meu?
— Não. — Ela abriu os olhos e encarou Gabriel. — Dele.
A signadora pegou a mão do Inglês e rezou. Após um momento,
começou a chorar, um sinal de que o mal tinha passado do corpo de Keller
para o seu. Em seguida, fechou os olhos e pareceu adormecer. Ao acordar,
instruiu Keller a repetir o teste do azeite e da água. Dessa vez, o azeite se
aglomerou numa única gota.
— O mal saiu da sua alma, Christopher. — Voltando-se para Gabriel,
a velha disse: — Agora ele.
— Eu não sou um crente — retrucou Gabriel.
— Por favor — pediu ela. — Se não por você, por Christopher.
Relutante, Gabriel mergulhou o indicador no azeite e deixou três
gotas caírem na água. Quando o azeite se dividiu em mil gotículas, a mulher
fechou os olhos e começou a estremecer.
— O que a senhora vê? — perguntou Keller.
— Fogo — respondeu ela, baixinho. — Eu vejo fogo.
Havia uma balsa saindo de Ajaccio às cinco horas. Às quatro e meia,
Gabriel estacionou o Peugeot na embarcação e, dez minutos depois,
observou Keller subir a bordo dirigindo um Renault velho. Seus
compartimentos ficavam no mesmo deque, um de frente para o outro. O de
Gabriel tinha o tamanho e a falta de atrativo de uma cela de prisão. Ele
deixou a mala na cama minúscula e subiu as escadas para o bar. Ao chegar,
encontrou Keller sentado a uma mesa perto da janela, tomando um gole de
cerveja com um cigarro queimando no cinzeiro.
Gabriel balançou a cabeça devagar. Quarenta e oito horas atrás,
estava diante de uma tela em Jerusalém. Agora buscava por uma mulher
desconhecida, acompanhado por um homem que, no passado, aceitara um
contrato para matá-lo.
Pediu um café preto ao barman e saiu para o convés de popa. A balsa
já estava longe do porto e o ar da noite havia esfriado. Gabriel levantou a
gola do casaco e envolveu a xícara de café com as mãos para se aquecer. As
estrelas do leste brilhavam intensamente no céu sem nuvens, e o mar, que
um instante antes estava turquesa, logo se tornou nanquim. Gabriel teve a
impressão de sentir o cheiro de macchia no vento. Um pouco depois,
escutou a voz da signadora: “Quando ela estiver morta. Então vocês saberão
a verdade.”

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