A Marca do Assassino

(Carla ScalaEjcveS) #1

antes. Era alta e um pouco desajeitada, com pernas bonitas mas pouco graciosas e
mãos compridas que pareciam buscar eternamente um repouso confortável. O
rosto pertencia a outra época: tez pálida luminosa, maçãs do rosto largas, um nariz
grande, olhos da cor da água dos lagos das montanhas. O cabelo sempre mudara
de acordo com o estado de espírito e com a política adoptada, mas agora, no início
da meia-idade, regressara ao estado natural: comprido, louro, preso com uma
simples mola preta.
Delaroche seguiu-a para norte, ao longo do Keizersgracht. Astrid cruzou o
canal em Reestraat, ao que voltou a dirigir-se a norte ao longo do Prinsengracht.
Entrou na sombra da Westerkerk, onde se situa o túmulo anônimo de Rembrandt.
Delaroche estugou o passo e reduziu a distância que os separava. Ao ouvir os
passos, Astrid virou-se rapidamente, a mão na bolsa e alarme no rosto.
Delaroche segurou-lhe o braço com gentileza.
─ Sou eu, Astrid. Não tenha medo.
O Krista tinha treze metros de comprimento, com uma casa de leme na
popa, uma proa elegante e uma pintura verde e branca nova.
Estava atracado ao lado de uma barca quadrada e, para subir a bordo,
Astrid e Delaroche tiveram de atravessar o convés de ré do vizinho. O interior
estava limpo e era surpreendentemente espaçoso, com uma cozinha, um salão e
um quarto na proa. A luz débil do final da tarde entrava por um par de claraboias e
por uma fileira de vigias ao longo do talabardão.
Delaroche instalou-se no salão, observando Astrid a fazer café na cozinha.
Falavam holandês, pois fazia-se passar por uma divorciada de Roterdão e não
queria que os vizinhos a ouvissem a falar em alemão. Tal como todos os habitantes
da cidade, era obcecada com a bicicleta. Já lhe tinham roubado quatro desde que
chegara a Amsterdam. Contou a Delaroche sobre o dia em que passeava ao longo
do Singel e passou por um homem que vendia bicicletas usadas. Entre elas, Astrid
viu uma das suas bicicletas desaparecidas. Disse ao homem que lhe pertencia e
exigiu que a devolvesse. O indivíduo replicou que ela estava maluca. Astrid
espreitou por baixo do selim e encontrou a placa com o nome que lá colocara. Ele
chamou-lhe mentirosa. Astrid agarrou na bicicleta e declarou que ia levá-la. O
homem tentou detê-la. Ela atacou com um golpe lateral do cotovelo, fraturando-lhe
a laringe, e depois partiu-lhe o queixo com um pontapé à meia volta. Levantou a
bicicleta e afastou-se ao som das palmas, elevada ao estatuto de heroína de todos
os habitantes de Amsterdam que já tinham perdido uma bicicleta no mercado
negro.
Levou o café para o salão e sentou-se à frente de Delaroche. Soltou a mola
do cabelo e deixou que este lhe caísse sobre os ombros. Era uma mulher bastante

Free download pdf