A Marca do Assassino

(Carla ScalaEjcveS) #1

LONDRES


Bem cedo na manhã seguinte, Michael deixou o hotel e alugou um Rover
sedan metalizado numa agência da Hertz, a norte de Marble Arch. Entrou na A40
perto de Paddington Station e seguiu para oeste, contra o fluxo da hora de ponta.
Ainda estava escuro e chovia ao de leve. Michael ligou o rádio e escutou as notícias
das seis na BBC. Enquanto atravessava os subúrbios a noroeste de Londres, a A40
entrou na M40. A luz macilenta da alvorada foi surgindo à medida que ele subia as
elevações suaves de Chilterns. O mapa fornecido pela Hertz estava fechado, em
cima do banco do passageiro. Michael não precisava dele, pois conhecia bem as
estradas.
A família de Sarah possuíra uma grande casa de campo em Cotswolds, na
aldeia de Chipping Campden. Muros de pedra calcária, cobertos de clematite e de
heras diversas, cercavam a casa. Michael passara aí vários fins-de-semana com ela,
durante os meses em que estiveram juntos. O campo alterava-a, levando-a a despir
a farda de couro preto do clã do Soho. Usava calças de ganga desbotadas e blusas
no Inverno, e vestidos leves no Verão. De manhã, percorriam os caminhos nos
arredores da aldeia, através de pastos repletos de ovelhas e de faisões. À tarde,
faziam amor. No Verão, com o tempo quente, faziam amor no jardim, ocultos pelo
calcário e pelas flores. Sarah preferia fazê-lo ao ar livre. Gostava da sensação de
Michael dentro dela e do sol na pele clara. Desejava, em segredo, que as pessoas os
vissem. Queria que o mundo soubesse como era o seu ato de amor. Queria que
todos os invejassem.
Dançava, servia de modelo, lia muitos livros. Por vezes representava. Às
vezes fotografava. As suas cores políticas eram atrozes e tão flexíveis como o seu
corpo esguio. Era trabalhista e comunista. Era verde e anarquista. Vivia no Soho,
num quarto atulhado de roupas de segunda mão e maiôs, em cima de um
restaurante libanês que servia comida para fora. Ouvia os Clash e os Stones. Ouvia
gravações do oceano e de sons da floresta e cantos gregorianos. Era vegetariana e o
cheiro do borrego assado do restaurante deixava-a enojada. Para disfarçar o cheiro,
queimava incenso e acendia velas. Da primeira vez que levou Michael para a cama,
este teve a sensação incômoda de estar a fazer amor numa igreja católica.
Apresentou-o a um mundo que ele não conhecia. Levou-o a festas bizarras
e a teatro experimental. Levou-o a sessões de leitura e a ver exposições. Escolheu-
lhe roupas diferentes. Não dormia, a menos que primeiro fizesse amor com ele.
Adorava olhar para os seus corpos à luz das velas.

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