A Marca do Assassino

(Carla ScalaEjcveS) #1

Marks & Spencer e comprou dois pares de calças de bombazina, dois pulôveres de
algodão, uma blusa cinzenta de lã, roupa interior e peúgas, e um casaco verde
impermeável. Os vigilantes seguiram-no, enquanto reviravam pilhas de blusas e
fileiras de ternos como um par de comunistas na sua primeira viagem ao Ocidente
capitalista. De seguida entrou numa drogaria e comprou artigos de higiene:
lâminas e creme de barbear, pasta e escova de dentes,
desodorizante. Queria andar, por isso levou as compras ao longo de Oxford
Street, a olhar para as montras como um empresário enfadado a matar tempo,
sempre com o instinto a fazê-lo olhar para trás, em busca de perseguidores. Não
viu ninguém, salvo os homens da Agência, vinte metros mais atrás.
Chuviscava. O lusco-fusco caiu como um véu. Michael abriu caminho por
entre a multidão que entrava e saía da estação de metro de Tottenham Court Road.
Adorava o cheiro do final de tarde de Outono em Londres. Chuva no passeio. Gases
dos escapes. Cerveja e cigarros nos pubs. Lembrava-se de noites como aquela, em
que saía do gabinete com o seu terno azul e o sobretudo creme de um vendedor,
dirigindo-se ao Soho para se encontrar com Sarah no café, ou no bar que ela
frequentava, cercada por bailarinos, por escritores, ou por atores. Michael era um
estranho nesse mundo, um símbolo da convenção e de tudo o que desprezavam,
mas, na presença deles, Sarah apenas tinha olhos para si. Ignorava as regras
românticas do clã. Dava-lhe a mão. Beijava-lhe os lábios. Partilhava intimidades
sussurradas e recusava-se a divulgá-las, quando interrogada.
Ao atravessar Shaftesbury Avenue, Michael interrogou-se quanto disso
seria verdade, e o que não passaria de invenção. Tê-lo-ia amado? Teria representado
desde o início? Porque teria pedido aos russos para desistir? Imaginou Sarah no
apartamento caótico, o corpo a subir ao seu encontro à luz das velas, o cabelo longo
a cair-lhe sobre os seios. Sentiu o aroma do cabelo, do hálito, saboreou o sal na pele
translúcida. O ato de amar fora religioso. Caso fosse mentira, Sarah Randolph era a
melhor agente que alguma vez encontrara. Interrogou-se se ela teria descoberto
algo valioso. Talvez devesse tê-la declarado ao Departamento de Pessoal. Eles
teriam investigado os seus antecedentes, tê-la-iam colocado sob vigilância,
descobririam os encontros que mantinha com o controlador russo, e tudo poderia
ter sido evitado. Pensou no que diria a Elizabeth. Promete que nunca vais mentir-
me, Michael. Podes ocultar-me coisas, mas nunca me mintas. Quem me dera poder
contar-te a verdade, pensou, mas nem eu sei qual é.
Michael sentou-se num banco em Leicester Square e esperou que os
vigilantes se juntassem a ele. Apanharam um táxi até a casa de segurança,
localizada num prédio branco ofensivo, com vista para Paddington Station. O
interior era pior do que o recordado por Michael: mobília reles manchada,

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