A Marca do Assassino

(Carla ScalaEjcveS) #1

Bob Marley vibrava através de uma janela semiaberta, com cortinados sujos. A
janela de Sarah. Provavelmente, os cortinados de Sarah.
Sarah Randolph cometeu um erro terrível, dissera-lhe Drozdov. Apaixonou-
se pela vítima.
Ela fora uma mentira, um mito criado pelos seus inimigos, tragicamente
heróica na sua ingenuidade sem limites. Ela traíra-o, mas não era real. Não podia
amá-la, nem odiá-la. Só sentia pena dela.
Os sentinelas de Wheaton há muito que tinham desaparecido, por isso
apanhou um táxi para Belgravia. Os homens de campo, tal como os ladrões,
desenvolvem formas clandestinas de penetrar na sua própria casa para o dia
inevitável em que sejam visitados por uma vida inteira de traição. Michael conhecia
o método de Graham Seymour: através de uma cavalariça e por cima do muro
caiado do jardim, com a ajuda de uma escada de corda deixada para essas ocasiões.
Michael usava agora a escada para trepar o muro e caiu pela escuridão, indo aterrar
na varanda de pedra de Graham. Este respondeu à pequena pancada nas portas de
correr armado com uma das facas de cozinha de Helen, fabricadas na Suíça.
Falaram no primeiro andar, na sala de visitas, o casaco ensopado de Michael a
fumegar junto à lareira a gás, a aparelhagem alemã de Graham a troar
Rachmaninoff para abafar a conversa.
Conversaram durante quase uma hora. Falaram sobre o que acontecera no
ferry. Falaram sobre Sarah. Sobre Colin Yardley e Astrid Vogel, e o homem na
escuridão que disparou três balas contra o rosto de Yardley. Sobre os homens no
iate e no Ford: o monovolume branco e agora o azul. Michael precisava de dinheiro.
Helen era rica e Graham tinha sempre guardado no cofre um ou dois milhares para
emergências. Passaportes não eram problema.
Ao longo dos anos, Michael utilizara os seus contatos nos serviços aliados
para reunir uma coleção de documentos de viagem falsos. Podia viajar como
francês ou espanhol, grego ou alemão. Até como israelense. Telefona a Elizabeth,
pediu Michael. Diz-lhe que lhe explico tudo quando voltar. Cuidado com o que
dizes ao telefone. Não lhe digas para onde vou, nem o que ando a fazer. Diz-lhe que
a amo. Diz-lhe que tenha cuidado. Comeram penne puttanesca e salada, e beberam
vinho tinto. Helen e Graham conversaram como se Michael não estivesse ali.
Michael sentia-se como se assistisse a um drama horrível na televisão. Devorou
dois pratos de massa, que estava surpreendentemente boa.
Depois do jantar, Graham anunciou de repente que queria ver um filme
novo que estava no cinema de Leicester Square. Helen concordou de forma
entusiástica. Arrumaram a loiça e saíram. Na sala de visitas às escuras, Michael
viu-os entrar para o BMW de Graham e arrancarem. Ouviu um motor de carro a ser

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