Olhou-a. Matou uma dúzia de pessoas, viveu em fuga e, contudo, às vezes
ficava tão assustada como uma menina. Acariciou-lhe o rosto e beijou sua testa
com suavidade.
─ Não vou deixar que ninguém te faça mal ─ prometeu.
Olharam para cima. Uma grande mesa de madeira balançava na varanda de
um andar alto do edifício condenado. Pairou ali por um momento, como um
passageiro agarrado ao parapeito de um transatlântico afundando, e depois
espatifou-se na rua, despedaçando-se em mil bocados. O burro do abbaleen
desatou a correr. Os soldados dispersaram-se. Olharam para cima e começaram a
falar num árabe rápido, abanando os punhos na direção dos homens na varanda.
─ O Cairo ─ concluiu Delaroche.
─ Meu Deus ─ disse Astrid. ─ Que cidade de loucos.
O elevador do hotel era antiquado, abrindo caminho pelo centro de uma
escada em espiral. Estava outra vez avariado, por isso Astrid e Delaroche tiveram
de fazer a descida desde o sétimo andar. Fahmy, o eterno recepcionista, encolheu os
ombros em sinal de desculpas.
─ Amanhã, vem o técnico, inshallah ─ disse.
─ Inshallah ─ repetiu Delaroche com um sotaque do Cairo perfeito, o qual
Fahmy acatou com um aceno formal da sua cabeça calva.
O hall estava calmo, a sala de jantar deserta exceto por duas empregadas
com aventais que limpavam o pó em silêncio. Delaroche considerava-a deprimente
e vagamente russa, com as suas mesas compridas, a carne enrolada e o vinho
branco quente. Astrid quisera ficar num dos grandes hotéis ocidentais (o Inter-
Com ou o famoso Nile Hilton), mas Delaroche insistiu num sítio mais isolado. O
Hotel Imperial era o tipo de lugar que os roteiros de viagens recomendavam a
viajantes aventureiros que desejassem provar um pouco do verdadeiro Cairo.
Delaroche roubara uma motorizada: pequena, azul-escura, o tipo de scooter
que os jovens italianos usam para fazerem corridas pelas ruas de Roma. Sentiu-se
ligeiramente culpado, pois sabia que um rapaz egípcio qualquer tivera três
empregos e poupara durante anos para poder comprá-la. Pôs Astrid dentro de um
táxi e, num árabe rápido e correto, indicou ao motorista para onde levá-la.
Delaroche partiu na sua moto, Astrid atrás dele no táxi.
Zamalek é uma ilha, comprida e estreita, que o Nilo rodeia como se de um
fosso se tratasse. É um enclave dos abastados do Cairo: os resíduos da aristocracia,
os novos-ricos, um grupo de jornalistas ocidentais. Apartamentos poeirentos
elevam-se acima do penhasco e fitam com desaprovação o outro lado do rio, onde
se encontra o barulho e o caos da baixa da cidade. Abaixo do penhasco, ao longo da
água, existe uma represa onde uma juventude livre de Zamalek faz sexo até de
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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