A Marca do Assassino

(Carla ScalaEjcveS) #1

não devia ter corrido bem. Michael sentia-se mal por ter faltado. Tinha uma
desculpa plausível ─ o trabalho, a queda de um avião comercial ─ mas o trabalho
de Elizabeth também exigia bastante dela, que alterara os compromissos para ir à
consulta do médico.
Olhou à sua volta, para a cozinha, que era maior do que o primeiro
apartamento que tivera. Deixou a mente vaguear até a tarde, cinco anos antes, em
que tinham assinado a escritura daquela casa. Lembrava-se de percorrer as grandes
divisões vazias, com Elizabeth a falar com entusiasmo, a dizer o que colocaria onde,
como iriam decorar os quartos, de que cor os pintariam. Queria filhos, muitos
filhos, a correr pela casa, a fazer barulho, a partir coisas. Michael também queria.
Tivera uma infância maravilhosa, em paragens exóticas um pouco por todo o
mundo, mas não tivera irmãos e sentia que faltava alguma coisa na sua vida. A
incapacidade de terem filhos custara um preço bem alto. Por vezes, a casa parecia
vazia e triste, demasiado grande apenas para eles os dois, fazendo lembrar um
museu e não um lar. Em certas ocasiões, parecia a Michael que em tempos ali tinha
havido crianças, mas estas tinham sido levadas. Sentia-se como se tivessem sido
condenados a morar ali juntos, os dois sozinhos, magoados, eternamente.
Apagou as luzes e levou o resto da cerveja para o quarto, no andar de cima.
Elizabeth estava sentada na cama, o queixo apoiado nos joelhos, os braços a
envolver as pernas. No teto abobadado brilhava uma luz suave. Na lareira cintilava
o resto das brasas. O cabelo louro claro estava desalinhado e os olhos mostravam
que não dormira. A expressão era ausente. Três cigarros meio fumados estavam no
cinzeiro em cima da mesa-de-cabeceira e uma pilha de dossiês encontrava-se
espalhada no lado da cama de Michael. Estava zangada e lidara com a situação da
sua forma habitual, mergulhando no trabalho. Michael despiu-se em silêncio.
─ Que horas são? ─ perguntou Elizabeth, sem olhar para o marido.
─ É tarde.
─ Por que não telefonou? Por que não me disse que ia chegar tão tarde?
─ Houve desenvolvimentos no caso. Pensei que estivesse dormindo.
─ Não tenho problema em ser acordada, Michael. Precisava ouvir tua voz.
─ Sinto muito, Elizabeth. As coisas estavam um caos, não podia vir embora.
─ Por que não foi à consulta?
Michael desabotoava a camisa e parou para olhar para ela. Elizabeth tinha o
rosto corado, os olhos molhados.
─ Elizabeth, sou o agente destacado para o grupo terrorista que pode ter
abatido aquele avião comercial. Não posso sair no meio do dia para ir a
Washington a uma consulta.
─ Por quê?

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