A Marca do Assassino

(Carla ScalaEjcveS) #1

Delaroche comeu uma sanduíche e bebeu um pouco da cerveja enquanto
estudava a cena a partir de várias perspectivas diferentes. Encontrou um ângulo
que mais lhe agradou e tirou meia dúzia de fotografias, três a cores, outras tantas a
preto e branco. O dono da casa apareceu, uma figura atarracada, com um cão preto
e branco a saltitar-lhe aos pés. Delaroche gritou-lhe que era um artista e o homem
acenou-lhe com entusiasmo. Cinco minutos depois voltou com um copo de vinho e
uma travessa repleta de queijo e de fatias grossas de enchido picante. Vestia um
casaco remendado que parecia ter sido comprado antes da guerra. O cão, que tinha
apenas três pernas, pediu comida a Delaroche.
Quando se retiraram, Delaroche instalou-se à frente do cavalete. Observou
as fotografias, primeiro as tiradas a preto e branco, para ver a forma e os traços
essenciais da imagem, e depois as coloridas. Passou vinte minutos a traçar esboços
com um lápis de carvão, até que a composição do trabalho lhe pareceu correta.
Trabalhou com uma palete simples, vermelho-windsor, azul-windsor, verde-hooker,
amarelo-windsor e terra-de-siena natural, sobre papel pesado, esticado em cima de
um apoio de aglomerado.
Passou quase uma hora antes que a mensagem na praia de Brignogan-Plage
se intrometesse nos seus pensamentos. Era uma convocatória, que lhe dizia para se
encontrar com Arbatov no paredão em Roscoff, na tarde do dia seguinte. Arbatov
fora o oficial responsável por Delaroche quando este servira no KGB. Durante vinte
anos, Delaroche trabalhara com Arbatov e com mais ninguém. Certa vez, quando
Arbatov começara a perder sagacidade, o Centro de Moscou tentou substituí-lo por
um homem mais jovem chamado Karpov. Delaroche recusou-se a trabalhar com
Karpov e ameaçou enviá-lo de volta a Moscou dentro de um caixão, caso Arbatov
não voltasse a ser o intermediário. Uma semana depois, Arbatov e Delaroche
voltaram a reunir-se em Salzburg. Para castigar os imbecis do Centro de Moscou,
realizaram um festim de celebração com vitela austríaca, regada por três garrafas
bem dispendiosas de Bordeaux. Delaroche não defendera Arbatov por amor, nem
por lealdade. Não amava, nem era leal a ninguém, exceto à sua arte e à sua
profissão. Queria Arbatov de volta ao seu cargo, pois não havia outra pessoa em
quem confiasse. Sobrevivera vinte anos sem ser preso ou morto, por Arbatov ter
desempenhado bem o seu trabalho.
Enquanto pintava a cena idílica, pensou seriamente em ignorar a
mensagem de Arbatov. Já não trabalhavam para o KGB, pois não existia KGB, e os
agentes da sua área de trabalho não foram absorvidos pelo sucessor mais
apresentável, o Serviço de Espionagem Externa. Após o colapso da União Soviética
e a extinção do KGB, Delaroche e Arbatov foram deixados ao abandono.
Permaneceram no Ocidente, Arbatov em Paris e Delaroche em Brélés, e juntos

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