A Marca do Assassino

(Carla ScalaEjcveS) #1

qual imagem de infelicidade, às voltas no dilúvio. Delaroche estacionou o carro e
observou-o por um instante, antes de se aproximar.
Mikhail Arbatov mais parecia um professor envelhecido do que um mestre
espião do KGB e, como sempre, Delaroche teve dificuldade em imaginar que
dirigira incontáveis assassinatos. Era óbvio que a vida em Paris o estava a tratar
bem, pois Delaroche não se recordava dele tão gordo, e as faces debitavam um
brilho saudável ilusório, fruto de demasiado vinho e cognac. Trajava a sua habitual
blusa preta de gola alta e o casaco impermeável ao estilo do exército, que parecia
ter como dono um homem mais alto e magro. Na cabeça trazia um chapéu de abas
à prova de água, típico dos reformados de todo o mundo. Os óculos de armações
metálicas, que pareciam sempre mais prejudiciais do que úteis, estavam
embaciados e escorregavam na encosta íngreme que era o seu nariz de pugilista.
Delaroche saiu do carro e aproximou-se dele pelas costas. Arbatov, sempre
um profissional, nem se mexeu quando Delaroche surgiu a seu lado. Caminharam
em silêncio durante algum tempo, com Delaroche a esforçar-se por acompanhar o
passo cambaleante de Arbatov. Este parecia eternamente à beira de tombar, e por
mais do que uma vez Delaroche resistiu à tentação de estender a mão para o
equilibrar.
Arbatov parou de andar e virou-se para encarar Delaroche. Avaliou-o com
um olhar fixo e levemente divertido, os olhos cinzentos ampliados pelos óculos
imensos.
─ Minha nossa Sra., estou muito velho para esta treta de rua
─ lamentou-se, no seu francês correto e sem sotaque. ─ Muito velho e muito
cansado. Leva-me para um sítio quente com boa comida.
Delaroche levou-o de carro a um bom restaurante com vista para o mar.
Arbatov passou a viagem a queixar-se da sujidade deixada no Mercedes pelo
equipamento de pintura. Cinco minutos depois, já lhes tinham servido omeletes de
Gruyère e cogumelos e canecas de café au lait. Arbatov devorou a comida e
acendeu um Gauloise terrível antes de Delaroche ter dado uma segunda garfada.
Reclamando do frio, Arbatov pediu um cognac. Bebeu-o em duas goladas e
acendeu outro cigarro, soprando estreitas baforadas de fumo para as vigas
manchadas do teto. Os dois homens ficaram em silêncio. Um estranho poderia tê-
los confundido com pai e filho que tomavam diariamente o pequeno-almoço
juntos, algo que não desagradava a Delaroche.
─ Querem-te outra vez ─ informou Arbatov, quando Delaroche acabou de
comer. Não foi preciso indagar de quem se tratava. Eram os homens que o tinham
contratado para a missão com o avião comercial.
─ Qual é o trabalho?

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