A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

Os assentamentos e as habitações dos primórdios de Israel eram lugares de luto,
onde os mortos andavam entre os vivos, e os vivos faziam o que podiam para se
encontrar em uma terra estrangeira. No pequeno lar de cimento onde viviam os Allon,
havia velas acesas ao lado de fotografias de entes amados perdidos no fogo da Shoah.
Eles não tinham outro túmulo. Eram fumaça ao vento, cinzas em um rio.
Os Allon, particularmente, não gostavam do hebraico, então, em casa, só falavam
alemão. O pai de Gabriel tinha sotaque da Bavária; a mãe dele, o sotaque distinto de uma
berlinense. Ela tinha tendência à melancolia e a mudanças de humor, e os pesadelos
atrapalhavam seu sono. Raramente ria ou sorria, não conseguia demonstrar prazer em
ocasiões festivas, não gostava de comidas pesadas nem de beber. Quando criança,
Gabriel aprendeu a ficar em silêncio perto dela, para não acordar os demônios. Apenas
uma vez ousou perguntar sobre a guerra. Depois de dar um relato apressado e evasivo
do tempo que passou em Auschwitz, ela caiu em uma depressão profunda e ficou de
cama por vários dias. Nunca mais se falou de guerra ou do Holocausto na casa dos
Allon. Gabriel cresceu introvertido, solitário. Quando não estava pintando, corria
longas distâncias em meio aos canais de irrigação do vale. Tornou-se um guardador de
segredos nato, um espião perfeito.
— Queria que minha história fosse única, Natalie, mas não é. A família do Uzi era de
Viena. Todos morreram. Os ancestrais de Dina eram da Ucrânia. Foram assassinados
em Babi Yar. O pai dela era como minha mãe, o único sobrevivente, o último filho.
Quando ele chegou a Israel, assumiu o nome Sarid, que quer dizer remanescente. E,
quando sua última filha nasceu, a sexta, batizou-a Dina.
— Vingada.
Gabriel assentiu.
— Até agora — disse Natalie, olhando para Dina do outro lado da mesa —, eu não
sabia que ela tinha nome.
— Às vezes, a nossa Dina me lembra minha mãe, e é por isso que eu a amo. Sabe,
Natalie, a Dina também está de luto. E ela leva o trabalho muito a sério. Todos nós
levamos. Consideramos nosso dever solene garantir que aquilo nunca mais aconteça —
ele sorriu, tentando levantar o véu de morte que caíra sobre a mesa do almoço. —
Desculpe, Natalie, é que este vale me traz muitas memórias antigas. Espero que sua
infância não tenha sido tão difícil quanto a minha.
Era um convite para ela compartilhar algo de si, uma intimidade, algum poço
escondido de dor. Ela não aceitou.
— Parabéns, Natalie. Acabou de passar em um teste importante. Nunca revele nada
sobre si a três oficiais de inteligência, a não ser que um deles esteja apontando uma arma
para sua cabeça.
— E vocês estão?
— Não, imagine. Além disso — adicionou rapidamente —, já sabemos bastante
sobre você. Sabemos, por exemplo, que sua família era da Argélia e fugiu em 1962,
depois da guerra. Não que tivessem outra escolha. O novo regime havia declarado que

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