A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

quando a missão estivesse completa. Porém, se Natalie desejasse continuar no
Escritório, encontrariam uma posição adequada para ela. Um montante de quinhentos
mil shekels foi depositado em uma conta bancária aberta com o nome verdadeiro dela.
Além disso, ela receberia o equivalente a seu salário mensal do Hadassah. Um
mensageiro do Escritório cuidaria de seu apartamento durante sua ausência. Em caso de
morte, dois milhões de shekels seriam pagos aos pais dela.
A papelada, as instruções e os avisos severos consumiram todo o primeiro dia. No
segundo, começou a educação formal. Ela se sentia como um estudante de graduação em
uma universidade particular para uma só pessoa. Pelas manhãs, imediatamente após o
café, ela aprendia técnicas para trocar sua identidade por uma falsa — o que chamavam
de “arte do ofício”. Depois de um almoço leve, ela embarcava nos estudos palestinos,
seguidos dos estudos islâmicos e jihadistas. Ninguém jamais se referia a ela como
Natalie. Era Leila, sem sobrenome, apenas Leila. Os instrutores só falavam com ela em
árabe e se referiam a si mesmos como Abdul, Muhammad ou Ahmed. Dois instrutores
que trabalhavam em equipe se chamavam de Abdul e Abdul. Natalie os apelidou de
Duplo-A.
A última hora de luz do dia era livre para Natalie. Com a cabeça girando de tanto islã
e jihad, ela saía para correr nas estradas poeirentas da fazenda. Nunca tinha permissão
para ir sozinha; dois guardas armados sempre a seguiam em um quadriciclo verde-
escuro. Muitas vezes, ao voltar para casa, ela encontrava Gabriel esperando, e eles
caminhavam dois ou três quilômetros pelo vale no crepúsculo perfumado. O árabe dele
não era suficientemente fluente para conversas prolongadas, então ele se dirigia a ela em
francês. Falava sobre o treinamento e os estudos dela, mas nunca sobre sua própria
infância no vale ou a impressionante história do local. No que dizia respeito a Leila, o
vale representava um ato de roubo e desapropriação.
— Olhe para tudo isso — ele dizia, apontando na direção da vila árabe no morro. —
Imagine como eles devem se sentir quando veem as conquistas dos judeus. Imagine a
raiva deles. Imagine a humilhação. É a sua raiva, Leila. É a sua humilhação.
Continuando seu treinamento, ela aprendeu técnicas para determinar se estava sendo
seguida; se seu apartamento ou escritório estavam grampeados; ou se a pessoa que ela
supunha ser sua melhor amiga ou seu amante, na verdade, eram seus piores inimigos. A
equipe de instrutores Abdul e Abdul lhe ensinou supor que estava sendo seguida,
observada e ouvida a todo o momento. Isso não seria problema, disseram, desde que ela
continuasse fiel a seu disfarce. Um disfarce adequado era como um escudo. Em geral,
um agente de campo do Escritório passava muito mais tempo mantendo o disfarce do
que realmente coletando informações. O disfarce, explicaram, era tudo.
Durante a segunda semana na fazenda, seus estudos palestinos ficaram certamente
mais intensos. Toda a empreitada sionista, contaram a ela, se baseava em um mito — o
mito de que a Palestina era uma terra sem povo esperando por um povo sem terra. Na
verdade, em 1881, um ano antes da chegada dos primeiros colonos sionistas, a população
da Palestina era de 475 mil pessoas. A maioria era muçulmana e estava concentrada nos

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