morros da Judeia, na Galileia, e em outras partes da terra que, à época, eram inóspitas.
Algo em torno desse mesmo número foram as pessoas expulsas para o exílio durante o
Nakba, a catástrofe da fundação de Israel em 1948. E ainda outra onda fugiu das vilas na
Cisjordânia após a tomada sionista de 1967. As pessoas padeciam nos campos de
refugiados — Khan Yunis, Shatila, Ein al-Hilweh, Yarmouk, Balata, Jenin, Tulkarm e
outras dezenas — e sonhavam com alamedas de oliveiras e limoeiros. Muitas mantinham
os registros de suas propriedades e de seus lares. Algumas ainda carregavam até as
chaves de suas portas. Essa ferida aberta era o manancial do luto do mundo árabe. As
guerras, o sofrimento, a falta de desenvolvimento econômico, o despotismo — tudo isso
era culpa de Israel.
— Me poupe — resmungou Natalie.
— Quem disse isso? — exigiu saber um dos Abduls, uma criatura com jeito de
cadáver, pálido como leite, que nunca estava sem um cigarro ou uma xícara de chá. —
Foi a Natalie ou foi a Leila? Porque a Leila não duvida dessas afirmações. A Leila sabe,
no fundo, que são verdade. A Leila as bebeu no leite da mãe. A Leila as ouviu da boca de
seus parentes. A Leila acredita que os judeus são descendentes de macacos e porcos. Ela
sabe que eles usam o sangue de crianças palestinas para fazer pão ázimo. Ela os considera
um povo intrinsecamente mau, filhos do demônio.
Os estudos islâmicos dela também ficaram mais rígidos. Depois de ela terminar um
intensivo básico sobre ritual e crença, os instrutores de Natalie a imergiram nos
conceitos do islamismo e do jihad. Ela leu Sayyid Qutb, escritor egípcio dissidente
considerado fundador do islamismo moderno, e pelejou com Ibn Taymiyyah, teólogo
do islamismo do século XIII que, segundo diversos especialistas da área, era a origem
de tudo. Leu Bin Laden e Zawahiri e ouviu horas de sermões de um americano de
origem iemenita que morrera em um ataque aéreo. Assistiu a vídeos de bombardeios à
beira da estrada pelas forças americanas no Iraque, e navegou em alguns dos sites
islâmicos mais lascivos, aos quais seus instrutores se referiam como pornografia
jihadista. Antes de apagar o abajur à noite, sempre lia algumas linhas de Mahmoud
Darwish. “As minhas raízes foram lançadas antes do nascimento do tempo...” Em
sonhos, caminhava por um Éden de oliveiras e limoeiros.
A técnica era parecida com uma lavagem cerebral e, lentamente, começou a funcionar.
Natalie guardou sua antiga identidade e vida e se transformou em Leila. Ela não sabia
seu sobrenome; sua “lenda”, que é como diziam, viria por último, depois que uma
fundação adequada estivesse assentada e que uma estrutura estivesse construída. Em
palavra e em ação, ela se tornou mais devota, mais externamente islâmica. No fim da
tarde, quando corria pelas estradas poeirentas de fazenda, cobria os braços e as pernas —
e, sempre que seus instrutores estavam falando sobre a Palestina ou o islã, usava o hijab.
Experimentou várias formas de amarrá-lo, mas acabou decidindo por um método
simples com dois alfinetes, que não mostrava nada do cabelo. Achava-se bonita no hijab,
mas não gostava da forma como ele atraía atenção para seu nariz e sua boca. Um véu
parcial resolveria o problema, mas não condizia com o perfil de Leila, que era uma
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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