A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Para o norte — foi tudo o que ele disse.
— Sem seguranças.
— Hoje, não — respondeu ele. — Hoje, estou livre.
O carro era um sedã coreano comum, que ele dirigia muito rápido e com uma
despreocupação peculiar.
— Você parece estar se divertindo — observou Natalie.
— Faz muito tempo que não sento atrás do volante de um carro. O mundo parece
diferente no banco detrás de uma SUV blindada.
— Como assim?
— Infelizmente, é confidencial.
— Mas eu sou uma de vocês, agora.
— Ainda não — disse ele —, mas estamos chegando perto.
Foram as últimas palavras que ele falou durante vários minutos. Natalie colocou um
par de óculos de sol estilosos e observou uma versão em tom sépia da cidade de Acre
passar por sua janela. Alguns quilômetros ao norte ficava Lohamei HaGeta’ot, um kibutz
fundado por sobreviventes da revolta do gueto de Varsóvia. Era uma comunidade
agrícola bem organizada, com casas simples, gramados verdes e ruas regulares ladeadas
por ciprestes. A visão de um homem obviamente israelense dirigindo um carro cuja
única passageira era uma mulher de véu provocou olhares apenas vagamente curiosos.
— O que é aquilo? — perguntou Natalie, apontando para uma estrutura cônica
branca que se erguia acima dos telhados do kibutz.
— Chama-se Yad Layeled. É um memorial em homenagem às crianças mortas no
Holocausto — havia um curioso tom de afastamento na voz dele. — Mas não é por isso
que estamos aqui. Estamos aqui para ver algo muito mais importante.
— O quê?
— Sua casa.
Ele dirigiu até um shopping center logo ao norte do kibutz e estacionou em um canto
distante do estacionamento.
— Muito charmoso, hein! — disse Natalie.
— Não é aqui — apontou para um trecho de terra não cultivada entre o
estacionamento e a Highway 4. — Sua casa fica ali, Leila. A casa que foi roubada de você
pelos judeus.
Ele saiu do carro sem mais nenhuma palavra e levou Natalie a atravessar uma estrada
menor até um campo de ervas-daninhas, figueiras-da-índia e blocos de calcário
quebrados.
— Bem-vinda a Sumayriyya, Leila — ele se virou para olhá-la. — Repita para mim,
por favor. Repita como se fosse a palavra mais bonita que você já ouviu. Repita como se
fosse o nome da sua mãe.
— Sumayriyya — repetiu ela.
— Muito bom — ele se virou e observou o trânsito correndo na avenida. — Em
maio de 1948, havia oitocentas pessoas morando aqui, todas muçulmanas — apontou em

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