A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

no Oriente Médio. Naquele mesmo ano, os americanos tinham invadido o Iraque,
inflamando o mundo árabe e os muçulmanos em toda a Europa Ocidental. Além disso, a
Segunda Intifada assolava a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Por todo lado, parecia que os
muçulmanos estavam cercados. Leila esteve entre os milhares que marcharam em Paris
contra a guerra no Iraque e as sanções iraquianas nos Territórios Ocupados. Conforme
seu interesse em política crescia, crescia também a devoção ao islã. Ela decidiu adotar o
véu, o que chocou sua mãe secular. Algumas semanas depois, a mãe também adotou o
véu.
Foi durante o terceiro ano na faculdade de Medicina que Leila conheceu Ziad al-
Masri, um jordaniano-palestino que estava matriculado no departamento de eletrônica da
universidade. No início, ele fora uma agradável distração do currículo obrigatório de
farmacologia, bacteriologia, virologia e parasitologia, mas depois Leila logo se viu
perdidamente apaixonada. Ziad era mais politicamente ativo que Leila, e mais
religiosamente devoto. Ele tinha ligação com muçulmanos radicais, era membro do
grupo extremista Hizb ut-Tahrir e frequentava uma mesquita onde um clérigo da Arábia
Saudita regularmente pregava a mensagem do jihad. Não surpreendentemente, as
atividades de Ziad chamaram a atenção do serviço de segurança francês, que o deteve
duas vezes para questionamentos. Os interrogatórios só endureceram as visões dele,
que, contra os desejos de Leila, decidiu viajar ao Iraque para se juntar à resistência
islâmica. Só conseguiu chegar até a Jordânia, onde foi preso e jogado na notória prisão
conhecida como Fábrica de Unhas. Um mês depois da chegada, estava morto. A temida
polícia secreta Mukhabarat nunca se deu ao trabalho de dar uma explicação à família.
O livro não era obra de um único autor, mas esforço colaborativo de três oficiais de
inteligência experientes de três serviços competentes. Sua trama era incontestável e seus
personagens, bem desenhados. Revisor nenhum encontraria problemas nele, e nem o
mais cético leitor duvidaria de sua verossimilhança. Podia-se questionar a quantidade de
detalhes irrelevantes sobre a infância e adolescência da protagonista, mas havia motivo
para a verbosidade dos autores: eles queriam criar um abundante poço de memórias que
ela pudesse acessar quando chegasse o momento. Os detalhes aparentemente
desimportantes — os nomes, os locais, as escolas que ela frequentara, a disposição do
apartamento de sua família em Paris, as viagens que eles tinham feito aos Alpes e ao
litoral — foram o núcleo do currículo de Natalie durante seus últimos dias na fazenda de
Nahalal. E, é claro, havia Ziad, amante de Leila e falecido soldado de Alá. Natalie
precisava memorizar detalhes não de uma vida, mas de duas, pois Ziad tinha contado a
Leila muita coisa sobre sua criação e sua vida na Jordânia. Dina serviu como tutora
principal e criadora de tarefas. Falava do comprometimento de Ziad com o jihad e do
ódio a Israel e à América como se fossem buscas nobres. Seu caminho na vida deveria
ser emulado, dizia ela, não condenado. Mais do que qualquer coisa, porém, sua morte
exigia vingança. O treinamento de Natalie como médica a serviu bem, pois permitiu que
ela absorvesse e retivesse quantidades vastas de informação, em especial números. Ela

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