A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1
— Está tudo bem, Leila — disse ele, em voz baixa. — Já acabou.
Mas não tinha acabado, ela pensou. Só estava começando.

Há, em Tel Aviv e em seus subúrbios, uma série de apartamentos seguros do Escritório,
conhecidos como locais de passagem. São pontos onde, por doutrina e tradição, os
agentes passam sua última noite antes de ir de Israel para missões no exterior. Três dias
depois do interrogatório-teste de Natalie, ela foi de carro com Dina até um apartamento
de luxo com vista para o mar em Tel Aviv. Suas novas roupas, todas compradas na
França, estavam cuidadosamente dobradas em cima da cama. Ao lado, havia um
passaporte francês, uma carta de motorista francesa, cartões de crédito franceses, cartões
de banco e vários diplomas e certificados médicos em nome de Leila Hadawi. Havia
também diversas fotos do apartamento em que ela moraria em Aubervilliers, banlieue de
imigrantes em Paris.
— Eu esperava um apartamentinho aconchegante na Margem Esquerda.
— Entendo. Mas, quando se está pescando — disse Dina —, é melhor ir aonde os
peixes estão.
Natalie só fez um pedido: queria passar a noite com sua mãe e seu pai. O pedido foi
negado. Muito tempo e esforço tinham sido gastos transformando-a em Leila Hadawi.
Expô-la, ainda que brevemente, à sua vida anterior era considerado arriscado demais.
Um agente de campo mais experiente era capaz de passear livremente pela fina membrana
que separava sua vida real e a vida que ele levava a serviço do país. Mas recrutas recém-
treinados como Natalie muitas vezes eram flores frágeis que murchavam quando
expostas diretamente à luz do sol.
Então, ela passou aquela noite, sua última em Israel, tendo como única companheira
a mulher melancólica que a arrancara do conforto de sua antiga vida. Para se ocupar, fez
e desfez a mala três vezes. Então, depois de um delivery de carneiro e arroz, ligou a
televisão e assistiu a um episódio de uma novela egípcia à qual tinha se afeiçoado em
Nahalal. Depois disso, sentou-se na varanda para observar os pedestres, ciclistas e
skatistas passando pela calçada no vento frio da noite. Era uma visão impressionante, o
sonho dos primeiros sionistas realizado, mas Natalie olhou os judeus alegres lá embaixo
com o olhar de ressentimento de Leila. Eram ocupantes, filhos e netos de colonialistas
que tinham roubado a terra de um povo mais fraco. Tinham de ser derrotados, expulsos,
como haviam expulsado os ancestrais de Leila de Sumayriyya em uma noite de maio de
1948.
A raiva foi com ela para cama. Se dormiu naquela noite, ela não se lembrava, e na
manhã seguinte, estava com os olhos turvos e à flor da pele. Vestiu-se com as roupas de
Leila e cobriu o cabelo com o hijab verde-esmeralda favorito de Leila. Lá embaixo, um

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