Infelizmente, o ataque em Toulouse teve precedentes e ampla advertência. A França
estava, naquele momento, nas garras do pior espasmo de violência contra judeus desde o
Holocausto. Sinagogas tinham sido bombardeadas; lápides, derrubadas; lojas,
saqueadas; casas, vandalizadas e marcadas com pichações ameaçadoras. Ao todo, mais de
quatrocentos ataques haviam sido documentados só no ano anterior; cada um deles
cuidadosamente registrado e investigado por Hannah e sua equipe no Centro Isaac
Weinberg para o Estudo do Antissemitismo na França.
O centro, cujo nome homenageava o avô paterno de Hannah, abrira suas portas dez
anos antes, sob pesado esquema de segurança. Agora era a instituição do tipo mais
respeitada da França, e Hannah Weinberg era considerada a maior cronista da nova onda
de antissemitismo no país. Seus apoiadores se referiam a ela como “militante da
memória”, uma mulher que estava disposta a tudo para pressionar a França a proteger
sua sitiada minoria judaica. Já seus detratores eram bem menos generosos.
Consequentemente, Hannah há muito deixara de ler as coisas escritas sobre ela na
imprensa ou nos esgotos da internet.
O Centro Weinberg ficava na rue des Rosiers, a rua mais importante do bairro judeu
mais notório da cidade. O apartamento de Hannah ficava logo na esquina, na rue Pavée.
A placa de identificação no interfone dizia “MADAME BERTRAND”, uma das poucas
precauções que ela tomava para sua segurança. Hannah morava sozinha, cercada pelas
posses de três gerações de sua família, incluindo uma coleção modesta de pinturas e
várias centenas de lunetas antigas, sua paixão secreta. Aos 55 anos, era solteira e não tinha
filhos. Ocasionalmente, quando o trabalho deixava, ela se permitia um amante. Alain
Lambert, seu contato no Ministério do Interior, fora uma distração agradável durante
um período particularmente tenso de incidentes contra judeus. Ele ligou para a casa de
Hannah já tarde, depois da visita de seu chefe a Toulouse.
— Grande coragem, hein? — disse ela, ácida. — Ele devia ter vergonha.
— Fizemos o melhor possível.
— Seu melhor não foi bom o suficiente.
— Num momento como este, é melhor não jogar lenha na fogueira.
— Foi isso que disseram no verão de 1942.
— Não vamos exagerar.
— Vocês não me deixam escolha a não ser divulgar uma declaração.
— Escolha suas palavras com cuidado. Somos a única coisa entre vocês e eles.
Hannah desligou o telefone. Então, abriu a primeira gaveta da escrivaninha e tirou
dali uma chave que destrancava a porta no fim do corredor. Atrás dessa porta, havia um
quarto de criança, o quarto de Hannah congelado no tempo. Uma cama de dossel
forrado de renda. Prateleiras cheias de bichos de pelúcia e brinquedos. Um pôster
desbotado de um ator americano galã. E, acima da penteadeira rústica francesa, invisível
na escuridão, uma pintura de Vincent van Gogh. Marguerite Gachet à sua penteadeira...
Hannah passou levemente o dedo sobre as pinceladas e pensou no homem que executara
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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