indo ao médico pela primeira vez na vida. Não era surpreendente que se sentissem mais
confortáveis com a médecine généraliste que usava roupas discretas e um hijab e falava
com eles em seu idioma nativo.
Ela cuidou de gargantas inflamadas, e tosses crônicas, e dores variadas, e doenças
que eles tinham trazido do terceiro mundo para o primeiro. E disse a uma mãe de 44
anos que a origem de suas fortes dores de cabeça era um tumor no cérebro, e a um
homem de 60 que uma vida como fumante resultara em um caso de câncer de pulmão
intratável. E dos que estavam doentes demais para ir à clínica, ela cuidava nos
apartamentos apertados nas habitações populares. Nas escadas com cheiro de mijo e nos
imundos pátios onde o lixo voava em pequenos tufões de vento, os garotos e jovens de
Aubervilliers a olhavam com desconfiança. Nas raras ocasiões em que se dirigiam a ela,
era com formalidade e respeito. As mulheres e adolescentes, porém, tinham a liberdade
social de examiná-la o quanto desejassem. As habitações populares nada mais eram que
vilas árabes cheias de fofoca e sexualmente segregadas, e a dra. Leila Hadawi era algo
novo e interessante. Queriam saber de onde ela era, sobre sua família e seus estudos de
Medicina. Estavam, principalmente, curiosas para saber por que, na avançada idade de 34
anos, ela não era casada. Quando perguntavam isso, ela dava um sorriso melancólico
que deixava a impressão de amor não correspondido — ou, talvez, de um amor perdido
para a violência e o caos do Oriente Médio moderno.
Ao contrário dos outros membros da equipe, ela realmente morava na comunidade
que atendia, não nas fábricas de crime que eram as habitações populares, mas em um
apartamentinho confortável em um quartier da região onde a população era composta por
trabalhadores e pessoas nascidas ali. Havia um café charmoso do outro lado da rua,
onde, quando não estava na clínica, ela frequentemente era vista bebendo café em uma
mesa na calçada — nunca vinho nem cerveja, pois vinho e cerveja eram haraam. O hijab
obviamente ofendia seus concidadãos; ela ouvia no tom de um comentário de um
garçom e via nos olhares hostis dos passantes. Ela era a outra, uma estranha. Isso
alimentava seu ressentimento em relação à sua terra natal e servia como combustível para
sua raiva silenciosa. Pois a dra. Leila Hadawi, funcionária do serviço médico nacional,
não era a mulher que parecia ser. Tinha sido radicalizada pelas guerras no Iraque e na
Síria e pela ocupação da Palestina pelos judeus. Tinha sido radicalizada também pela
morte de Ziad al-Masri, seu único amor, nas mãos da Mukhabarat jordaniana. Era uma
viúva negra, uma bomba-relógio. Não confessava isso a ninguém, só a seu computador.
Era seu confidente.
Ela tinha recebido uma lista de sites durante seus últimos dias na fazenda em Nahalal,
uma fazenda que, por mais que tentasse, já não conseguia conjurar exatamente. Alguns
dos sites estavam na internet normal; outros, nos esgotos obscuros da rede. Todos
falavam de assuntos ligados ao islã e ao jihadismo. Ela lia blogs, entrava em chats para
mulheres muçulmanas, ouvia sermões de pregadores extremistas e via vídeos que
ninguém, fiel ou infiel, jamais devia ver. Atentados, decapitações, carbonizações,
crucificações: um dia sangrento na vida do ISIS. Leila não achava as imagens
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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