censuráveis, mas várias delas levavam Natalie, que estava acostumada a ver sangue, a
correr para o banheiro e vomitar violentamente. Ela usava um aplicativo roteador muito
popular com jihadistas, permitindo-lhe passear pelo califado virtual sem ser detectada.
Referia-se a si mesma como Umm Ziad. Era seu pseudônimo, seu nome de guerra.
Não demorou muito para a dra. Hadawi chamar atenção. Não lhe faltavam
pretendentes cibernéticos. Havia a mulher de Hamburgo cujo primo estava na idade de
se casar. Havia o clérigo egípcio que a engajou em uma discussão longa sobre apostasia.
E havia o editor de um blog especialmente vil que bateu na porta virtual dela enquanto
ela assistia à decapitação de um cristão capturado. O blogueiro era recrutador do ISIS e
pediu que ela viajasse à Síria para ajudar a construir o califado.
ADORARIA, digitou Leila, MAS MEU TRABALHO É AQUI NA FRANÇA.
ESTOU CUIDANDO DE NOSSOS IRMÃOS E IRMÃS NA TERRA DOS KUFFAR.
MEUS PACIENTES PRECISAM DE MIM.
VOCÊ É MÉDICA?
SIM.
PRECISAMOS DE MÉDICOS NO CALIFADO. DE MULHERES TAMBÉM.
A conversa a deixou elétrica, com os dedos formigando e a visão embaçada, algo
parecido com o primeiro rubor do desejo. Ela não a reportou; não havia necessidade.
Estavam monitorando seu computador e seu telefone. Estavam monitorando-a também.
Ela os via às vezes nas ruas de Aubervilliers — o durão de rosto esburacado que
conduzira seu último interrogatório na terra dos judeus, o homem com o rosto evasivo,
o homem com os olhos invernais. Ela os ignorava, como tinha sido treinada a fazer, e
continuava sua vida. Cuidava de seus pacientes, fofocava com as mulheres das habitações
populares, desviava os olhos devotamente na presença de meninos e jovens adultos e, à
noite, sozinha em seu apartamento, perambulava pelos cômodos da Casa do Islã
extremista, escondida atrás de seu software de proteção e seu pseudônimo vago. Era uma
viúva negra, uma bomba-relógio.
Aproximadamente trinta quilômetros separavam a banlieue de Aubervilliers da vila de
Seraincourt, mas eram mundos diferentes. Não havia mercados halal nem mesquitas em
Seraincourt, nada de blocos de apartamento gigantes cheios de imigrantes de terras
hostis, e o francês era o único idioma que se ouvia em suas ruas estreitas ou na brasserie
ao lado da antiga igreja de pedras na praça da cidade. Era uma visão de França idealizada
por um estrangeiro, a França de outrora, a França que não existe mais. Logo para além
da vila, no vale de um rio, repleto de fazendas bem cuidadas e bosques bem tratados,
ficava o Château Treville. Protegido de olhos curiosos por muros de três metros de
altura, tinha uma piscina aquecida, duas quadras de tênis de saibro, quatro quartos