vozes e tem alucinações. Logo, passa a sofrer de uma espécie de loucura. Com um
sussurro, pode ser convencido de quase qualquer coisa. Sua carne está derretendo nos
ossos. Ele não tem um braço. Seu pai, há muito morto, está sentado ao seu lado,
assistindo à sua humilhação. E tudo isso pode ser conseguido sem surras, sem
eletricidade, sem água. Só é preciso um pouco de tempo.
Mas o tempo, pensou Gabriel, não estava exatamente do lado deles. Nabil Awad
estava, naquele momento, em outra ponte, uma ponte que separava sua antiga vida da
outra que ele logo estaria vivendo nas mãos de Fareed Barakat. Tinha de cruzar aquela
ponte rapidamente, sem o conhecimento dos outros membros da rede. Senão, esta fase
da operação — a fase que tinha o potencial de solapar tudo o que viera antes — seria
uma colossal perda de tempo, esforço e recursos valiosos. No momento, Gabriel estava
reduzido ao papel de espectador. Sua operação estava nas mãos de seu antigo inimigo.
Finalmente, Fareed falou, uma pergunta breve, enunciada em um grave de barítono
que pareceu estremecer até as paredes da pequena sala de jantar francesa. Não havia
ameaça na voz, pois não era necessário. Ela dizia que ele era poderoso, privilegiado e
endinheirado. Dizia que ele era parente de Sua Majestade e, portanto, descendente do
profeta Maomé, que a paz esteja com ele. Dizia que você, Nabil Awad, não é nada. Que, se
eu decidir tirar sua vida, o farei num piscar de olhos. E depois, vou desfrutar de uma
bela xícara de chá.
— Quem é ele? — foi a pergunta que Fareed fez.
— Quem? — veio a voz fraca e derrotada de trás do capuz.
— Saladin — respondeu Fareed.
— Ele recapturou Jerusalém dos...
— Não, não — interrompeu Fareed —, não esse Saladin. Estou falando do Saladin
que ordenou que você atacasse o alvo judeu em Paris e o mercado em Amsterdã.
— Não tive nada a ver com esses ataques! Nada! Eu juro.
— Não foi o que Jalal me disse.
— Quem é Jalal?
— Jalal Nasser, seu amigo de Londres.
— Não conheço ninguém com esse nome.
— Claro que conhece, habibi. Jalal já me disse tudo. Disse que você fez o
planejamento operacional tanto de Paris quanto de Amsterdã. Disse que você é o tenente
de confiança de Saladin na Europa Ocidental.
— Não é verdade!
— Qual parte?
— Não conheço ninguém chamado Jalal Nasser e não faço planejamento operacional.
Trabalho em uma loja de impressões. Não sou ninguém. Por favor, tem que acreditar
em mim.
— Tem certeza, habibi? — perguntou Fareed com suavidade, como se estivesse
decepcionado. — Tem certeza de que essa é sua resposta?
De trás do capuz veio apenas silêncio. Com um olhar, Fareed instruiu Mikhail e