A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Você achou mesmo que ele participaria de uma conferência com um título tão
provocativo?
— Deus nos livre de seu mestre fazer qualquer coisa provocativa, Alain.
— E a segurança?
— Sempre nos cuidamos.
— Sem israelenses, Hannah. Eles vão fazer a coisa toda cheirar mal.
Rachel Lévy soltou o release para a imprensa no dia seguinte. A mídia foi convidada
a cobrir a conferência; um número limitado de assentos foi disponibilizado para o
público. Algumas horas mais tarde, em uma rua movimentada no vigésimo
arrondissement, um judeu religioso foi atacado por um homem com uma machadinha e
ficou gravemente ferido. Antes de fugir, o agressor brandiu a arma cheia de sangue e
gritou: “Khaybar, Khaybar, ya-Yahud!”. Disseram que a polícia estava investigando.


Tanto por pressa quanto por segurança, um período de apenas cinco dias úteis separou
o release para a imprensa do começo da conferência. Consequentemente, Hannah
esperou até o último minuto para preparar seu discurso de abertura. Na véspera do
encontro, ela sentou-se sozinha em sua biblioteca, a caneta arranhando furiosamente um
bloco de notas amarelo.
Era um local apropriado para escrever esse documento, pensou, já que a biblioteca
fora de seu avô. Nascido na cidade de Lublin, na Polônia, ele fugira para Paris em 1936,
quatro anos antes da chegada do Wehrmacht de Hitler. Na manhã de 16 de julho de 1942
— o dia conhecido como Jeudi Noir, ou Quinta-Feira Negra —, policiais franceses
carregando pilhas de cartões azuis de deportação prenderam Isaac Weinberg e sua
esposa, junto com cerca de 13 mil outros judeus estrangeiros. Isaac Weinberg conseguiu
esconder duas coisas antes da temida batida na porta: seu filho único, um menino
chamado Marc, e o Van Gogh. Marc Weinberg sobreviveu à guerra escondendo-se, e,
em 1952, conseguiu reaver o apartamento na rue Pavée da família francesa que o havia
ocupado depois do Jeudi Noir. Milagrosamente, a pintura estava onde Isaac Weinberg a
deixara, escondida sob as tábuas do assoalho da biblioteca, embaixo da escrivaninha onde
agora Hannah estava sentada.
Três semanas após sua prisão, Isaac Weinberg e sua esposa foram deportados para
Auschwitz e enviados para a câmara de gás na chegada. Eles foram apenas dois dos mais
de 75 mil judeus da França que morreram em campos de concentração da Alemanha
nazista, uma mancha permanente na história francesa. Mas isso poderia acontecer de
novo? E será que era hora de os 475 mil judeus da França, a terceira maior comunidade
judaica do mundo, fazerem as malas e irem embora? Essa era a questão colocada por
Hannah no título de sua conferência. Muitos judeus já tinham abandonado o país: 15 mil

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