O
LA COURNEUVE, FRANÇA
céu claro, naquela noite, já era uma agradável lembrança. Um vento frio e úmido
agitava o hijab de Natalie enquanto ela caminhava pela avenue Leclerc, e, acima de sua
cabeça, uma colcha de nuvens grossas escondia a lua e as estrelas. O tempo ruim era
mais típico das banlieues do norte — um truque dos ventos prevalentes na direção do
sudoeste lhes dava um clima distintamente mais soturno que o do centro de Paris. Era
só mais uma parte do ar distópico de miséria que pairava sobre as enormes torres de
concreto das cités. Um dos maiores prédios de habitação popular de toda a região agora
se erguia na frente de Natalie, duas lajes enormes de estilo brutalista, uma alta e
retangular, como uma pilha gigante de cartas, a outra mais baixa e comprida, como se
para dar equilíbrio arquitetônico. Entre as duas estruturas havia uma ampla esplanada
com muitas árvores jovens de folhagem verde. Um bando de mulheres veladas, algumas
usando véus faciais inteiriços, conversavam em voz baixa em árabe enquanto, a poucos
passos dali, um quarteto de meninos adolescentes passava abertamente um baseado,
sabendo que era muito improvável haver uma patrulha da polícia francesa. Natalie
passou pelas mulheres, respondeu ao cumprimento de paz delas e se dirigiu à fileira de
lojas na base da torre. Um mercado, um salão de beleza, um pequeno restaurante de
comida para viagem, um oculista, uma farmácia — todas as necessidades da vida
atendidas em uma só localização conveniente. Era este o objetivo dos planejadores
centrais: criar utopias autossuficientes para as classes trabalhadoras. Poucas residentes
das banlieues se aventuravam no centro de Paris, a não ser que tivessem a sorte de ter
empregos ali. Mesmo assim, brincavam que o percurso curto, dez minutos no RER,
exigia passaporte e atestado de vacinação.
Natalie foi até a entrada da farmácia. Em frente, havia um par de bancos de concreto
modulares, nos quais estavam sentados vários africanos com vestes esvoaçantes
tradicionais. Ela imaginava que era um pouco antes das nove, mas não podia ter certeza;
como lhe fora instruído, tinha vindo sem aparelhos eletrônicos — nem mesmo seu
relógio de pulso movido a bateria. Um dos africanos, um homem alto e magro com pele
negra como ébano, ofereceu seu lugar a Natalie, mas, com apenas um sorriso educado,
ela indicou que preferia ficar em pé. Observou o tráfego de fim de tarde passando pela
avenida, as mulheres escondidas tagarelando em voz baixa em árabe e os agora
adolescentes chapados, que, por sua vez, a olhavam com malícia, como se pudessem ver