— Olhe para mim — exigiu ele, e Natalie obedientemente levantou os olhos. Ele a
observou por um longo tempo antes de tomar o queixo dela entre o dedão e o indicador
para examinar seu perfil. Seu olhar era crítico, como se ele estivesse examinando um
cavalo.
— Disseram para mim que você é palestina.
Ela assentiu com a cabeça.
— Parece judia, mas devo admitir que todos os palestinos me parecem judeus — ele
falou essas palavras com o desprezo de um árabe do deserto por aqueles que viviam em
cidades, pântanos e litorais. Ainda estava segurando o queixo dela.
— Já foi à Palestina?
— Não, nunca.
— Mas tem um passaporte francês. Podia muito bem ter ido.
— Teria sido doloroso demais ver a terra de meus antepassados governada por
sionistas.
A resposta pareceu agradá-lo. Com um aceno, ele a instruiu a velar novamente o
rosto. Ela ficou grata pela proteção do pano, pois aquilo lhe deu um minuto para se
recompor. Escondida atrás de sua tenda negra, com o rosto obscurecido, ela se preparou
para o interrogatório que sabia estar se aproximando. A facilidade com que a história de
Leila fluiu de seu subconsciente para seu consciente a surpreendeu. O intenso
treinamento tinha sido bem-sucedido. Era como se, de fato, ela estivesse recordando
eventos que aconteceram de verdade. Natalie Mizrahi tinha desaparecido; estava morta e
enterrada. Era Leila Hadawi que fora trazida para aquela vila no meio do deserto, e Leila
Hadawi que confiantemente aguardava pelo teste mais duro de sua vida.
Logo em seguida, a mulher reapareceu com chá para todos. O iraquiano se sentou
em frente a Natalie, e os três outros se sentaram atrás dele com suas armas apoiadas nas
coxas. Uma imagem passou pela memória de Natalie, um homem condenado em um
macacão laranja, um ocidental, pálido como a morte, sentado com as mãos amarradas
diante de algozes sem rosto vestidos de preto e enfileirados como em um coral. Por trás
da armadura de seu abaya, ela eliminou a imagem terrível de seus pensamentos.
Percebeu, então, que estava suando. O suor escorria por suas costas e pingava entre seus
seios. Ela podia suar, disse a si mesma. Era uma parisiense mimada, desacostumada com
o calor do deserto, e o cômodo já não estava fresco. A casa esquentava sob o ataque do
sol do fim da manhã.
— Você é médica — disse, afinal, o iraquiano, segurando sua xícara de chá entre o
dedão e o indicador, como fizera um minuto antes com o rosto de Natalie.
— Sim — respondeu ela, lutando com sua própria xícara embaixo do véu. Era
médica, formada pela Université Paris-Sud, empregada da Clínica Jacques Chirac, na
banlieue parisiense de Aubervilliers. Continuou dizendo que Aubervilliers era um
subúrbio majoritariamente muçulmano e que a maioria de seus pacientes eram árabes do
Norte da África.
— Sim, eu sei — disse o iraquiano, impaciente, deixando perfeitamente claro que já