A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Sim, eu sei — disse o iraquiano, impaciente, deixando perfeitamente claro que já
conhecia a biografia dela. — Disseram para mim que você passou algumas horas
cuidando de pacientes em uma clínica de Raqqa ontem.
— Foi anteontem — ela o corrigiu. E, obviamente, pensou, olhando para o
iraquiano através de seu véu de gaze preta, você e seus amigos estavam observando.
— Devia ter vindo para cá muito antes — continuou ele. — Precisamos muito de
médicos no califado.
— Meu trabalho é em Paris.
— E agora você está aqui — salientou ele.
— Estou aqui — disse ela, com cuidado — porque me pediram para vir.
— Jalal.
Ela não respondeu. O iraquiano bebeu o chá com ar pensativo.
— Jalal é muito bom em me mandar europeus entusiasmados, mas sou eu que
decido se eles merecem entrar em um de nossos campos. — Era para soar como uma
ameaça, e Natalie imaginou que essa fosse sua intenção. — Você deseja lutar pelo Estado
Islâmico?
— Sim.
— Por que não lutar pela Palestina?
— Estou lutando.
— Como?
— Lutando pelo Estado Islâmico.
Os olhos dele ficaram mais amigáveis.
— Zarqawi sempre disse que o caminho para a Palestina passa por Amã. Primeiro,
tomaremos o resto do Iraque e da Síria. Depois, a Jordânia. E então, inshallah, Jerusalém.
— Igual a Saladin — respondeu ela. E, não pela primeira vez, imaginou se o homem
conhecido como Saladin estava agora sentado à sua frente.
— Você ouviu esse nome? — perguntou ele. — Saladin?
Ela acenou. O iraquiano olhou por cima do ombro e sussurrou algo para um dos
três homens sentados atrás. O homem entregou a ele uma pilha de papéis presos por um
clipe. Natalie supôs que fosse seu arquivo pessoal do ISIS, um pensamento que quase a
fez sorrir por trás do abaya. O iraquiano folheou as páginas com ar de distração
burocrática. Natalie se perguntou que tipo de trabalho ele fazia antes de a invasão
americana subverter praticamente todos os aspectos da vida no Iraque. Será que era
auxiliar em um ministério? Era professor ou bancário? Vendia vegetais em um mercado?
Não, pensou, ele não era nenhum comerciante pobre. Era um ex-oficial do Exército
iraquiano. Ou talvez, imaginou, com o suor escorrendo pelas costas, trabalhava para a
temida polícia secreta de Saddam.
— Você é solteira — declarou ele, de repente.
— Sim — responderam tanto Leila quanto Natalie.
— Já foi noiva?
— Não exatamente.

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