A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

marido fora morto lutando contra os curdos e agora ela queria vingança. Seu desejo era
ser mulher-bomba. Ela tinha 19 anos.
Depois do jantar, houve uma apresentação. Um clérigo pregou, um soldado leu um
poema de sua própria autoria. Depois, Safia foi “entrevistada” no palco por um
muçulmano britânico esperto que trabalhava no departamento de divulgação e marketing
do ISIS. Naquela noite, ataques aéreos da coalizão fizeram o deserto tremer. Sozinha em
seu quarto, Natalie rezou por salvação.
A educação terrorista começou após o café da manhã do dia seguinte, quando ela foi
levada de carro ao deserto para receber treinamento de armas — fuzis de assalto,
revólveres, lança-foguetes, granadas. Ela voltava ao deserto a cada manhã, mesmo
depois que seus instrutores a declararam proficiente. Não eram jihadistas deslumbrados,
os instrutores; eram exclusivamente iraquianos, todos antigos soldados e veteranos da
insurgência sunita endurecidos na batalha. Tinham lutado contra os americanos até
basicamente empatar no Iraque, e o que mais queriam era lutar contra eles de novo nas
planícies do norte da Síria, em um lugar chamado Dabiq. Os americanos e seus aliados
— os Exércitos de Roma, no vocabulário do ISIS — tinham de ser cutucados e
incitados e provocados até ficarem com raiva. Os homens do Iraque tinham planos de
fazer justamente isso, e os alunos no campo eram as varas.
Durante o calor do meio da tarde, Natalie voltava aos cômodos climatizados do
campo para lições sobre montagem de bombas e comunicação segura. Também tinha de
aguentar longas palestras sobre os prazeres da vida após a morte caso fosse escolhida
para uma missão suicida. Repetidas vezes, seus instrutores iraquianos perguntavam se
ela estava disposta a morrer pelo califado e, sem hesitação, Natalie dizia que sim. Em
pouco tempo, teve de usar um colete suicida pesado durante seus treinamentos de armas,
e aprendeu a armar o artefato e detoná-lo usando um gatilho escondido na palma da
mão. Da primeira vez que o instrutor mandou que ela apertasse o detonador, o dedão de
Natalie ficou paralisado e congelado em cima do botão.
— Yalla — ele a estimulou. — Não vai explodir de verdade.
Natalie fechou os olhos e apertou o detonador.
— Boom — sussurrou o instrutor. — E agora você está a caminho do paraíso.
Com permissão do diretor do campo, Natalie começou a atender pacientes na antiga
enfermaria da base. No início, os outros alunos hesitaram em ir a ela por medo de ser
considerados moles pelos instrutores iraquianos. Mas logo ela passou a receber um fluxo
constante de pacientes durante seu “expediente”, que era entre o fim da aula de fabricação
de bombas e as rezas vespertinas. As enfermidades variavam de feridas de batalha
infeccionadas a coqueluche, diabetes e sinusite. Natalie tinha poucos suprimentos e
poucos remédios, mas atendia pacientemente cada um. No processo, aprendeu muito
sobre seus colegas alunos — seus nomes, países de origem, circunstâncias da viagem ao
califado, status dos passaportes. Entre os que a procuraram estava Safia Bourihane. Ela
estava muitos quilos abaixo do peso, levemente deprimida e precisava de óculos. Fora

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