A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

D


PROVÍNCIA DE ANBAR, IRAQUE

esta vez, ela não tinha o sol nem os instrumentos no painel para guiar seu percurso,
pois, minutos depois de sair de Palmira, tinha sido vendada. No curto intervalo
enxergando, conseguira reunir três pequenas parcelas de informação. Seus captores eram
quatro, ela estava no banco traseiro de outra SUV e a SUV estava indo na direção leste
pela estrada síria antigamente conhecida como M20. Ela perguntou aos captores aonde a
estavam levando, mas não recebeu resposta alguma. Protestou que não fizera nada de
errado em Palmira, que só queria ver com seus próprios olhos os templos de shirk
destruídos. Na verdade, nem uma palavra foi trocada durante toda a viagem. Para se
entreterem, eles ouviram um longo sermão do califa. E, quando o sermão acabou,
ouviram um talk show na eficiente estação de rádio do ISIS chamada al-Bayan, que ficava
em Mosul e transmitia na banda FM. Os debatedores estavam discutindo uma recente
fatwa do Estado Islâmico sobre relações sexuais entre homens e suas escravas mulheres.
No início, o sinal de Mosul estava fraco e cheio de ondas estacionárias, mas ficou mais
forte conforme eles dirigiam.
Pararam uma vez para encher o tanque de combustível armazenado em uma garrafa,
e outra vez para negociar a entrada em um ponto de controle do ISIS. O guarda falava
com sotaque iraquiano e tratou os homens da SUV com deferência — quase com medo.
Pela janela aberta, Natalie ouviu à distância uma grande comoção, ordens sendo gritadas,
crianças chorando, mulheres se lamentando.
— Yalla, Yalla! — dizia uma voz. — Continuem andando! Não é longe.
Uma imagem se formou na mente dela — uma fila de infiéis esfarrapados, uma trilha
de lágrimas que levava a um fosso de execução. Logo, pensou, ela estaria se juntando a
eles.
Passou-se mais meia hora antes de a SUV parar pela terceira vez. O motor desligou e
as portas se abriram com barulho, deixando entrar uma densa onda de calor indesejada.
No mesmo instante, Natalie sentiu o suor começando a fluir por baixo do tecido pesado
de seu abaya. Uma mão agarrou seu pulso e a puxou gentilmente. Ela foi se arrastando
pelo banco, balançou as pernas para o lado e se permitiu deslizar até os pés tocarem a
terra. Durante tudo isso, a mão continuou segurando seu pulso. Não havia malícia no
toque. Era só para guiá-la.
Na pressa de sua evacuação do campo, ela não tinha conseguido colocar as sandálias.
Embaixo de seus pés descalços, a terra queimava. Surgiu uma memória tão indesejada
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