A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

quanto o calor. Na lembrança, como agora, é agosto. Ela está em uma praia no sul da
França; sua mãe diz para ela remover a Estrela de Davi de seu pescoço para que os
outros não vejam. Ela abre o fecho do pendente, entrega para a mãe e corre em direção
ao Mediterrâneo azul antes que a areia em chamas queime seus pés.
— Cuidado — disse uma voz, a primeira a se dirigir a ela desde que saíram do
campo. — Há degraus em frente.
Eles eram largos e lisos. Quando Natalie chegou ao topo da escada, a mão a puxou
para a frente, gentilmente. Ela teve a sensação de estar caminhando por uma casa enorme,
passando por cômodos frios e por pátios banhados de sol. Por fim, chegou a outro
lance de escada, mais alto que o primeiro: 12 degraus em vez de seis. Lá em cima, tomou
consciência da presença de vários homens e ouviu o ruído abafado de armas automáticas
empunhadas por mãos experientes.
Poucas palavras foram trocadas, uma porta se abriu. Natalie caminhou exatamente
dez passos para a frente. Depois, a mão apertou o pulso dela e fez uma pressão sutil para
baixo. Obedientemente, ela se abaixou até o chão e sentou-se de pernas cruzadas em um
tapete, com as mãos dobradas tranquilamente no colo. A venda foi removida. Através da
tela de seu véu, viu um homem sentado diante de si, em pose idêntica. Imediatamente,
percebeu que o rosto lhe era familiar; era o iraquiano sênior que a interrogara antes de
sua transferência a Palmira. Ele não tinha a compostura de antes. Suas roupas pretas
estavam cobertas de poeira, seus olhos negros estavam vermelhos e exaustos. A noite,
pensou Natalie, não tinha sido gentil com ele.
Com um movimento da mão, ele a instruiu a levantar o véu. Ela hesitou, mas
obedeceu. Os olhos negros a fitaram por um longo momento enquanto ela estudava o
padrão do tapete. Finalmente, ele a pegou com a garra de lagosta de sua mão destruída e
levantou o rosto dela em direção a ele.
— Dra. Hadawi — disse em voz baixa. — Muito obrigado por vir.


Ela passou por mais uma porta, entrou em mais um cômodo. O chão branco estava
vazio, igual às paredes. Em cima, havia uma pequena abertura redonda através da qual
entrava um raio de sol escaldante. Fora isso, as sombras prevaleciam. Em um canto, o
mais longe, quatro soldados do ISIS se posicionavam em uma roda malformada, os
olhos baixos, como pessoas de luto em um túmulo. A poeira cobria suas vestes pretas.
Não era da cor de barro do deserto; era pálida e cinza, concreto que fora transformado
em pó por uma marreta vinda do céu. Ao pé dos quatro homens, havia um quinto. Ele
estava deitado de barriga para cima em uma maca, um braço perpassando o peito; o
outro, o esquerdo, ao lado. Havia sangue na mão esquerda e manchando o chão vazio ao

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