A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

C


PROVÍNCIA DE ANBAR, IRAQUE

omo médica no pronto-socorro do Centro Médico Hadassah, em Jerusalém, a dra.
Natalie Mizrahi tinha enfrentado em sua rotina cenários eticamente desafiadores, às vezes
todos os dias. Havia os gravemente feridos e os moribundos que recebiam tratamento
heroico embora não tivessem chance de sobreviver. E havia os assassinos, os homens-
bomba, os esfaqueadores, sobre cujos corpos destruídos Natalie trabalhava com a mais
terna misericórdia.
A situação que enfrentava agora, porém, era diferente de qualquer outra coisa pela
qual passara antes — ou pela qual ainda passaria, pensou. O homem no cômodo vazio
em algum lugar perto de Mosul era o líder de uma rede de terror que deflagrara ataques
devastadores em Paris e Amsterdã. Natalie tinha se infiltrado nessa rede com sucesso
como parte de uma operação para identificar e “decapitar” sua estrutura de comando. E
agora, devido a um ataque aéreo americano, a vida do líder da rede estava em suas mãos
bem-treinadas. Como médica, ela tinha a obrigação moral de salvar a vida dele.
Mas, como habitante do mundo civilizado, estava inclinada a deixá-lo morrer
lentamente e, assim, cumprir a missão para a qual fora recrutada. Mas o que os homens
do ISIS fariam com a médica que permitisse que o grande Saladin morresse antes de
completar sua missão de unir o mundo muçulmano sob a bandeira negra do califado?
Com certeza, pensou, não iriam agradecer a ela por seus esforços e mandar que seguisse
seu caminho em paz. A pedra ou o facão provavelmente seria seu destino. Ela não tinha
ido à Síria em uma missão suicida e não tinha intenção alguma de morrer nesse lugar
miserável, nas mãos desses profetas do apocalipse vestidos de preto. Além disso, a
situação de Saladin dava a ela uma oportunidade sem precedentes — a oportunidade de
restaurar a saúde dele, ficar amiga dele, ganhar sua confiança e roubar os segredos
mortais que residiam em sua mente. Você não pode deixá-lo morrer, dissera o iraquiano.
Mas por quê? A resposta, pensou Natalie, era simples. O iraquiano não sabia o que
Saladin sabia. Saladin não podia morrer porque as ambições da rede morreriam com ele.
Por fim, os suprimentos só demoraram noventa minutos para chegar. As mulheres,
quem quer que fossem, tinham conseguido quase tudo de que Natalie precisava. Depois
de colocar luvas e uma máscara cirúrgica, ela rapidamente inseriu uma agulha
intravenosa no braço esquerdo de Saladin e entregou a bolsa de soro para o iraquiano,
que estava olhando ansiosamente por cima do ombro dela. Então, usando um par de
tesouras cirúrgicas, ela cortou a roupa suja e encharcada de sangue de Saladin. O
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