A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

O


PROVÍNCIA DE ANBAR, IRAQUE

s dias dela se passavam ao ritmo de Saladin. Ela dormia quando ele dormia, e
acordava sempre que ele se mexia em seu leito. Monitorava seus sinais vitais, trocava
seus curativos, dava morfina para a dor mesmo que ele não quisesse. Por alguns
segundos depois de a droga entrar em sua corrente sanguínea, ele pairava em um estado
de alucinação em que as palavras escapavam de sua boca como o ar que saía de seu
pulmão danificado. Natalie podia prolongar esse estado falante dando a ele uma dose
menor da droga; ou, inversamente, podia tê-lo levado às portas da morte com uma dose
maior. Mas nunca estava sozinha com seu paciente. Dois soldados ficavam postados
junto a ele o tempo todo, e Abu Ahmed — com sua garra de lagosta e seu ânimo
melancólico — nunca estava longe. Ele consultava Saladin frequentemente, mas Natalie
não podia saber sobre o quê. Quando eram discutidos assuntos de Estado ou de terror,
ela era banida do cômodo.
Não tinha permissão de ir longe — restringia-se ao cômodo ao lado, ao banheiro, a
um pátio castigado pelo sol onde Abu Ahmed a encorajava a se exercitar para ficar em
forma para a operação. Ela nunca tinha permissão de ver o resto da grande casa nem de
saber onde ela ficava, mas, quando ouvia a al-Bayan no antigo rádio transistorizado que
tinham lhe dado, o sinal não tinha interferência. Todas as outras rádios eram proibidas,
para que ela não fosse exposta a ideias não islâmicas ou, Deus os livre, música. A
ausência de música era mais difícil de suportar do que ela imaginara. Ela ansiava ouvir
algumas notas de uma melodia, uma criança arranhando uma escala maior, até a batida
do hip-hop de um carro passando. Seus quartos se tornaram uma prisão. O campo em
Palmira parecia um paraíso em comparação. Até Raqqa era melhor, pois em Raqqa, pelo
menos, ela tinha permissão de caminhar pelas ruas. Apesar das cabeças decepadas e dos
homens crucificados, pelo menos havia alguma sombra de vida. O califado, pensou
melancolicamente, tinha um talento para reduzir as expectativas das pessoas.
E, o tempo todo, ela via um relógio imaginário em sua cabeça e virava as páginas de
um calendário imaginário. Seu voo de Atenas para Paris estava marcado para domingo à
noite e sua volta ao trabalho na clínica de Aubervilliers, para segunda de manhã. Mas,
primeiro, ela tinha que ir do califado para a Turquia e da Turquia para Santorini. Apesar
de toda a conversa sobre seu papel importante em uma operação futura, ela imaginou se
Saladin e Abu Ahmed teriam outros planos para ela. Saladin precisaria de cuidado
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