Dentro do prédio, porém, todo o subterfúgio acabava. A equipe de apoio técnico
ocupava o porão; os observadores, o térreo. No segundo andar ficava o transbordante
arquivo do Grupo Alpha — Rousseau preferia dossiês antiquados de papel a arquivos
digitais —, e o terceiro e quarto andares eram território dos funcionários que lidavam
com agentes. A maioria deles ia e vinha pelo portão da rue de Grenelle, a pé ou em carro
oficial. Outros entravam por uma passagem secreta que ligava o prédio e a desmazelada
loja de antiguidades vizinha, de propriedade de um francês idoso que servira
secretamente durante a guerra na Argélia. Paul Rousseau era o único membro do Grupo
Alpha que tivera permissão de ler o arquivo chocante do lojista.
Quem visitasse o quinto andar seria capaz de confundi-lo com o escritório de um
banco suíço privado. Era um lugar sóbrio, escuro e silencioso, exceto pelo Chopin que
ocasionalmente saía pela porta aberta de Paul Rousseau. Sua secretária de longa data, a
incansável madame Treville, ocupava uma mesa organizada na antessala, e na ponta
oposta de um corredor estreito ficava a sala do vice de Rousseau, Christian Bouchard.
Este homem era tudo o que Rousseau não era: jovem, em forma, elegante e bonito
demais para seu próprio bem. Acima de tudo, Bouchard era ambicioso. O chefe da
DGSI o tinha empurrado para Rousseau, e todos supunham que ele, um dia, seria o
chefe do Grupo Alpha. Rousseau só ficava ressentido por ele um pouco, pois Bouchard,
apesar de seus óbvios defeitos, era muitíssimo bom no que fazia. E era implacável.
Quando havia serviço sujo burocrático, inevitavelmente era Bouchard que se
encarregava disso.
Três dias depois do bombardeio ao Centro Weinberg, com os terroristas ainda
soltos, houve uma reunião de chefes de departamento no Ministério do Interior.
Rousseau detestava esses encontros — eles inevitavelmente viravam concursos de quem
tem mais poder político —, então mandou Bouchard em seu lugar. Eram quase oito
horas da noite quando o vice finalmente voltou à rue de Grenelle. Ele entrou no
escritório de Rousseau e, sem falar nada, colocou duas fotografias sobre a mesa. Elas
mostravam uma mulher de pele cor de oliva, de 20 e poucos anos, com um rosto oval e
olhos como caleidoscópios de castanho e cobre. Na primeira foto, o cabelo estava na
altura do ombro, penteado liso para trás da testa sem marcas. Na segunda, estava coberto
por um hijab de seda preta sem adornos.
— Ela está sendo chamada de viúva negra — disse Bouchard.
— Sugestivo — respondeu Rousseau, franzindo a testa. Pegou a segunda foto, na
qual a mulher estava vestida devotamente, e olhou para aqueles olhos insondáveis. —
Qual o nome verdadeiro dela?
— Safia Bourihane.
— Argelina?
— Mas nascida em Aulnay-sous-Bois.
Aulnay-sous-Bois era uma banlieue ao norte de Paris. Suas habitações de baixa renda
assoladas pelo crime — conhecidas na França como HLMs ou Habitations à Loyer Modéré
— eram as mais violentas do país. A polícia raramente se aventurava por lá. Até
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1