não era um lunático delirante; era um homem racional, um nacionalista sunita, muito
possivelmente um antigo espião. Sofrera dois ferimentos de estilhaços no lado direito do
corpo: um no peito, o outro na coxa. Se conseguisse andar, com certeza precisaria de
uma bengala ou de muletas. As cicatrizes o tornariam facilmente identificável. Sua
ambição também. Ele planejava um ataque de tal gravidade que o mundo ocidental não
teria escolha a não ser invadir o califado. Os Exércitos de Roma e os homens com
estandartes negros e longos cabelos e barbas lutariam em um lugar chamado Dabiq, nas
planícies do norte da Síria. Os homens com estandartes negros venceriam, iniciando
assim uma cadeia de eventos apocalípticos que culminariam na aparição do Mahdi e no
fim dos dias.
Mas, mesmo na cidade sagrada de Jerusalém, alvo final de Saladin, a atenção se
desviava. Vários meses haviam se passado desde que Gabriel devia ter assumido o
controle do Escritório e até o primeiro-ministro, que fora cúmplice no adiamento, estava
perdendo a paciência. Tinha como aliado Ari Shamron, que jamais apoiara o adiamento
desde o começo. Frustrado, Shamron ligara para um jornalista dócil para contar —
anonimamente, é claro — que haveria uma mudança iminente na liderança do Escritório,
dentro de dias, não de semanas. Sugerira também que a escolha do novo chefe feita pelo
primeiro-ministro seria surpreendente, para dizer o mínimo. Seguiu-se uma roda de
intensa especulação midiática. Muitos nomes foram mencionados, ainda que o de Gabriel
Allon tenha sido citado apenas de passagem e com tristeza. Gabriel era o chefe que nunca
foi. Gabriel estava morto.
Mas ele não estava morto, é claro. Estava sofrendo com os fusos horários, estava
ansioso, estava preocupado que sua operação meticulosamente planejada e executada
fosse em vão, mas estava bem vivo. Na tarde de uma sexta-feira, em meados de
novembro, ele voltou a Jerusalém depois de vários dias em Paris, esperando passar um
fim de semana tranquilo com sua mulher e seus filhos. Mas, minutos depois de sua
chegada, Chiara informou-o de que todos eles eram esperados para um jantar naquela
noite no casarão de Shamron em Tiberíades.
— Sem chance — reagiu Gabriel.
— É Sabbath — respondeu Chiara. Ela não disse mais nada. Era filha do rabino-
chefe de Veneza. No mundo de Chiara, o Sabbath era o último ás na manga. Não era
necessário mais argumento nenhum. O caso estava encerrado.
— Estou cansado demais. Liga para a Gilah e vamos marcar para outra noite.
— Liga você.
Ele ligou. A conversa foi breve, menos de um minuto.
— O que ela disse?
— Ela disse que é Sabbath.
— Só isso?
— Não. Disse que o Ari não está muito bem.
— Ele esteve doente o outono inteiro. Você estava ocupado demais para notar, e a
Gilah não queria preocupar você.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1