A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

O


AUBERVILLIERS, FRANÇA

alarme do celular de Natalie soou às sete e quinze, o que era estranho, porque ela não
se lembrava de tê-lo programado. Aliás, tinha certeza de que não tinha feito isso. Irritada,
ela silenciou o telefone com um toque de dedo e tentou dormir um pouco mais, porém,
cinco minutos depois, ele tocou de novo.
— Tá bom — disse para o lugar no teto onde imaginava que a câmera estivesse
escondida. — Você venceu. Vou levantar.
Jogou a coberta para o lado e colocou os pés no chão. Na cozinha, fez um bule de
café preto e oleoso Carte Noire na cafeteira de fogão Mocha e o colocou em uma xícara de
leite fervendo. Lá fora, a noite estava lentamente deixando a rua vazia. Muito
provavelmente, era a última manhã parisiense que a dra. Leila Hadawi veria, pois, se
Saladin conseguisse o que queria, ela não voltaria à França depois de sua viagem
inesperada aos Estados Unidos. A volta de Natalie também era incerta. Parada em sua
janela suja coberta de fuligem, as mãos em volta da xícara de café au lait, ela percebeu que
não ia sentir saudade. Sua vida na banlieue apenas reforçava sua convicção de que não
havia futuro na França para os judeus. Seu lar era Israel — Israel e o Escritório. Gabriel
tinha razão. Ela era um deles agora.
Nem o ISIS nem o Escritório tinham dado instruções do que levar, então,
instintivamente, ela fez uma mala leve. O voo estava marcado para sair do Charles de
Gaulle às treze horas e quarenta e cinco minutos. Ela foi até o aeroporto de RER e, às
onze e meia, entrou na longa fila do balcão de check in da classe econômica. Depois de
uma espera de trinta minutos, uma francesa desagradável a informou de que ela tinha
recebido um upgrade para a classe executiva.
— Por quê?
— Prefere ficar na econômica?
A mulher deu o bilhete a Natalie e devolveu o passaporte. Ela enrolou por vários
minutos nas lojas do free shop, observada pela vigilância da DGSI, antes de ir para o
portão de embarque. Como o voo 54 tinha destino à América, havia medidas de
segurança especiais. O hijab dela e o nome árabe garantiram vários minutos extras de
revista antes do voo, mas por fim ela foi admitida no saguão de embarque. Procurou
rostos familiares, mas não encontrou. Em uma cópia gratuita do jornal Le Monde, leu
sobre a iminente visita do presidente francês aos Estados Unidos e, numa página interna,
sobre uma nova onda de esfaqueamentos em Israel. Ela ardeu de raiva. Ela comemorou.
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