A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

no reflexo das portas. Ambos trocaram um aceno de cabeça, mas não houve palavras. O
homem apertou o botão do vigésimo andar, quase como se até então nem tivesse
pensado nisso, e cutucou o dedão enquanto o elevador subia. Mikhail fingiu checar o e-
mail no celular e, enquanto fazia isso, discretamente tirou uma fotografia do homem de
cabeça chata. Ele enviou a foto ao boulevard Rei Saul — localização da sede anônima do
Escritório em Tel Aviv —, enquanto andava pelo corredor até seu quarto. Um olhar
rápido pelo batente da porta não revelou sinais de invasão. Desbloqueou a porta com o
cartão e, protegendo-se de um ataque, entrou.
Foi recebido pelo som de Vivadi — um dos favoritos de contrabandistas de armas,
traficantes de heroína e terroristas do mundo todo, pensou, enquanto desligava o rádio.
A cama já tinha sido preparada, e havia um chocolate no travesseiro. Foi até a janela e viu
o carro de Sami Haddad estacionado na estrada do penhasco. Para além do automóvel,
havia a marina e, atrás dela, a escuridão do Mediterrâneo. Em algum lugar dali estava sua
escapatória. Ele não tinha mais permissão de vir a Beirute sem uma saída de emergência
em alto-mar. O novo chefe tinha planos para ele — ou assim ele tinha ouvido nos
corredores do Escritório. Para uma instituição segura, tratava-se de um lugar
notoriamente fofoqueiro.
Naquele momento, o celular de Mikhail acendeu. Era uma mensagem do boulevard
Rei Saul dizendo que os computadores não tinham conseguido identificar o homem que
esteve com ele no elevador. Aconselhava-o a proceder com cautela, o que quer que
aquilo significasse. Fechou a cortina blecaute e desligou as luzes do quarto, uma por
uma, até que a escuridão fosse absoluta. Então, sentou ao pé da cama, com o olhar
focado no fino feixe de luz abaixo da porta, e esperou o telefone tocar.


Não era incomum a fonte se atrasar. Como fazia questão de mencionar a Mikhail em cada
oportunidade, tratava-se de um homem muito ocupado. Portanto, não foi surpresa
quando já havia passado das dez horas sem a ligação de Sami Haddad. Finalmente,
quinze minutos depois, o celular apitou.
— Ele está entrando no lobby. Está com dois amigos, ambos armados.
Mikhail cortou a ligação e continuou sentado por mais dez minutos. Depois, com a
arma na mão, foi até o hall de entrada e colocou a orelha contra a porta. Não ouvindo
nada do lado de fora, enfiou a arma de volta na parte de trás da cintura da calça e saiu
para o corredor, que estava deserto, com exceção de um único membro da equipe de
governança — sem dúvida, um dos jihadistas. Lá em cima, o bar do terraço estava como
sempre — libaneses ricos, emiradenses vestindo robes brancos fluidos, executivos
chineses ruborizados pelo álcool, traficantes, prostitutas, apostadores, aventureiros,
tolos. O vento do mar bagunçava os cabelos das mulheres e fazia pequenas ondas na

Free download pdf