Natalie explicou tudo isso à equipe de médicos e terapeutas que a examinava a cada
punhado de dias. Eles prescreviam remédios para dormir, que ela se recusava a tomar, e
ansiolíticos, que a deixavam se sentindo entorpecida e apática. Para ajudar sua
recuperação, ela se forçava a fazer corridas de treinamento nas estradas rurais do vale.
Como antes, cobria seus braços e suas pernas; agora não por devoção, mas porque era o
fim do outono e estava bastante frio. Os seguranças sempre a vigiavam, assim como os
outros moradores de Nahalal. Era uma comunidade próxima, com muitos veteranos das
FDI e dos serviços de segurança. Passaram a considerar Natalie uma responsabilidade
de todos. Também passaram a acreditar que era sobre ela que tinham lido nos jornais.
Era ela que tinha se infiltrado no mais cruel grupo terrorista já visto no mundo. Ela que
tinha ido para o califado e sobrevivido para contar.
Os médicos não eram os únicos a visitá-la. Seus pais vinham frequentemente, às
vezes passavam a noite, e, a cada início de tarde, ela tinha uma sessão com seus antigos
treinadores. Desta vez, a tarefa era desfazer o que tinham feito antes, tirar do sistema de
Natalie a hostilidade palestina e o zelo islâmico, torná-la israelense de novo. Mas não
israelense demais, alertou Gabriel a eles. Ele investira muito tempo e esforço
transformando Natalie em um de seus inimigos. Não queria perdê-la por causa de
alguns minutos assustadores em um chalé da Virginia.
Ela também era visitada por Dina Sarid, que, em seis sessões intermináveis, todas
gravadas, interrogou Natalie muito mais detalhadamente do que antes — sobre seu
tempo em Raqqa e no campo em Palmira, seu interrogatório inicial nas mãos de Abu
Ahmed al-Tikriti, as muitas horas passadas sozinha com o ex-oficial de inteligência
iraquiano que chamava a si mesmo de Saladin. Todo o material acabaria nos volumosos
arquivos de Dina, pois ela estava sempre se preparando para a próxima batalha. Saladin,
tinha avisado ao Escritório, não tinha terminado. Um dia, em breve, ele atacaria
Jerusalém.
No fim da última sessão, depois de Dina desligar o computador e guardar suas
anotações, as duas sentaram em silêncio por muito tempo enquanto a noite caía pesada
sobre o vale.
— Devo um pedido de desculpa a você — disse Dina, por fim.
— Pelo quê?
— Por convencê-la a aceitar. Não devia ter feito isso. Eu estava errada.
— Se não fosse eu — falou Natalie —, seria quem?
— Outra pessoa.
— Você teria feito?
— Não — respondeu Dina, ganhando créditos infinitos aos olhos de Natalie. —
Acho que não teria. No fim, não valeu a pena. Ele venceu.
— Desta vez — disse Natalie.
Sim, pensou Dina. Desta vez...
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1