A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

O


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RUA NARKISS, JERUSALÉM

ronco da SUV de Gabriel perturbou a calma resoluta da rua Narkiss. Ele desceu do
banco detrás, passou por um portão de metal e subiu pelo passeio no jardim até a
entrada de um prédio de apartamentos revestido de pedra calcária, típico de Jerusalém.
No fim da escada do terceiro andar, encontrou a porta de seu apartamento levemente
entreaberta. Abriu-a lenta e silenciosamente e, à meia-luz, viu Chiara sentada em uma
ponta do sofá branco, um bebê ao seu peito. A criança estava enrolada em um cobertor.
Só quando chegou mais perto Gabriel conseguiu ver que era Raphael. O menino tinha
herdado o rosto do pai e de um meio-irmão que nunca conheceria. Gabriel brincou com
a penugem de cabelo escuro e se abaixou para beijar os lábios quentes de Chiara.
— Se você o acordar — sussurrou ela —, eu mato você.
Sorrindo, Gabriel tirou os mocassins de camurça e, de meias, andou pelo corredor
até o quarto dos bebês. Havia dois berços enfileirados e encostados contra uma parede
coberta de nuvens. Elas tinham sido pintadas por Chiara e, depois, apressadamente
repintadas por Gabriel em sua volta a Israel após o que deveria ter sido sua última
operação. Ele parou ao lado da grade de um dos berços e contemplou a criança
dormindo nele. Não ousou tocá-la. Raphael já dormia a noite toda, mas Irene era uma
criatura noturna que aprendera como chantagear seus pais para dormir na cama deles.
Era menor e mais magra que seu irmão corpulento, mas muito mais teimosa e
determinada. Gabriel achava que ela tinha as características de uma perfeita espiã, embora
ele jamais fosse permitir isso. Médica, poeta, pintora — qualquer coisa, menos espiã. Ele
não teria sucessor, não haveria dinastia. A casa de Allon acabaria com a morte dele.
Gabriel olhou para cima em direção ao local em que pintara o rosto de Daniel entre
as nuvens; mas a imagem estava invisível na escuridão. Saiu do quarto, fechando a porta
silenciosamente atrás de si, e foi para a cozinha. O aroma da carne cozinhando lentamente
em vinho tinto e ervas pairava no ar de modo suntuoso. Espiou pela janela do forno e
viu, no meio da grade, uma caçarola laranja coberta. Ao lado do fogão, organizados
como se para um livro de receitas, estavam os ingredientes do famoso risoto de Chiara:
arroz arbório, parmesão ralado, manteiga, vinho branco e uma xícara medidora grande
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