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O MARAIS, PARIS
s dez e vinte da manhã seguinte, Christian Bouchard estava no saguão de
desembarque do Charles de Gaulle, vestindo uma capa de chuva marrom sobre seu
terno elegante, segurando um aviso em papel, que dizia SMITH. Até Bouchard o achava
pouco convincente. Ele estava observando o fluxo de pessoas sendo despejadas no
saguão depois de passarem pelo controle de passaporte — os fornecedores
internacionais de bens e serviços, os que procuravam asilo e emprego, os turistas que
tinham vindo ver um país que já não existia. O trabalho da DGSI era peneirar essa
inundação diária, identificar os possíveis terroristas e agentes de inteligência estrangeira,
e monitorar seus movimentos até que eles saíssem do território francês. Era uma tarefa
quase impossível. Mas, para homens como Christian Bouchard, significava que não
faltava trabalho ou oportunidades para avançar na carreira. Para o bem e para o mal, a
segurança era uma das poucas indústrias que cresciam na França.
Naquele momento, o celular de Bouchard vibrou no bolso do casaco. Era uma
mensagem de texto dizendo que o motivo de sua visita ao Charles de Gaulle acabara de
ser admitido à França com um passaporte israelense em nome de Gideon Argov. Dois
minutos depois, Bouchard viu o mesmo monsieur Argov — jaqueta de couro preta, mala
de mão de nylon preta — à deriva na corrente de passageiros que chegavam. Bouchard
o tinha visto em fotografias de vigilância — havia aquela famosa imagem tirada na Gare
de Lyon alguns segundos antes da explosão —, mas nunca vira a lenda ao vivo. Teve de
admitir que ficou amargamente decepcionado. O israelense mal tinha 1,70 metro e talvez,
talvez, 68 quilos. Ainda assim, havia uma leveza predatória em seu andar, e as pernas
eram levemente arqueadas para fora, sugerindo velocidade e agilidade na juventude, que,
pensou Bouchard com uma arrogância descabida, já tinha passado há algum tempo.
A dois passos atrás dele estava um homem muito mais jovem, de altura e peso quase
idênticos: cabelo escuro, pele escura, olhos escuros alertas de um judeu cujos ancestrais
tinham vivido em terras árabes. Um funcionário da Embaixada de Israel estava lá para
recebê-los e, juntos, os três homens — a lenda, o guarda-costas e o funcionário da
embaixada — marcharam em fila para um carro que os esperava lá fora. O carro se