A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

abordara sem se apresentar no exato local onde agora estava com Christian. Ela segurava
um guarda-chuva com uma mão e, com a outra, colocava uma chave na fechadura.
— Sinto muito decepcioná-lo — mentiu ela, com compostura admirável —, mas não
tenho um Van Gogh. Se você quiser ver algumas pinturas de Vincent, sugiro que visite
o Museu de Orsay.
A memória se dissipou. Gabriel seguiu Bouchard pelo pátio interno até um saguão
de entrada, e subiram pelas escadas acarpetadas. No quarto andar, uma fraca luz metálica
vazava por uma janela suja, iluminando duas imponentes portas de mogno uma em
frente à outra, como jogadores ante o tabuleiro de xadrez que era o piso do corredor. A
porta da direita não tinha uma placa com nome de alguém. Bouchard a destrancou e,
dando um passo para o lado, fez um gesto para Gabriel entrar.
Ele parou no hall de entrada formal e examinou os arredores como se pela primeira
vez. O cômodo estava decorado precisamente como na manhã da Quinta-Feira Negra:
majestosos móveis de brocado, pesadas cortinas de veludo, um relógio de ouropel no
consolo da lareira ainda batendo cinco minutos atrasado. Novamente, a porta da
memória de Gabriel se abriu, e ele viu Hannah sentada no sofá, vestindo uma blusa de lã
desleixada e um casaco grosso. Ela tinha acabado de entregar a ele uma garrafa de
Sancerre e estava observando atentamente enquanto ele tirava a rolha — observando as
mãos dele, lembrou, as mãos do vingador.
— Sou muito boa em guardar segredos — ela estava dizendo. — Diga-me por que
você quer meu Van Gogh, monsieur Allon. Talvez possamos chegar a algum tipo de
acordo.
Da biblioteca adjacente veio o som distante de papel, como se alguém estivesse
virando uma página. Gabriel espiou lá dentro e viu uma figura amarrotada diante de
uma estante de livros segurando um volume bastante grosso encapado em couro.
— Dumas — disse a figura, sem levantar os olhos. — E muito valioso.
Ele fechou o livro, devolveu-o à prateleira e estudou Gabriel como se estivesse
contemplando uma moeda rara ou um pássaro numa gaiola. Gabriel devolveu o olhar,
sem expressão. Esperava outra versão de Bouchard, um babaca ardiloso e arrogante que
tomava vinho no almoço e saía do escritório pontualmente às cinco para poder passar
uma hora com a amante antes de voltar para a esposa. Paul Rousseau, portanto, foi uma
boa surpresa.
— É um prazer conhecê-lo finalmente — disse ele. — Só gostaria que as
circunstâncias fossem diferentes. Madame Bouchard era sua amiga, não era?
Gabriel ficou em silêncio.
— Alguma coisa errada? — perguntou Rousseau.
— Digo quando vir o Van Gogh.
— Ah, sim, o Van Gogh. Está no quarto ao final do corredor — disse Rousseau. —
Mas suponho que você já soubesse disso.

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