A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

Ela mantinha uma chave, lembrou Gabriel, na primeira gaveta da escrivaninha.
Obviamente, Rousseau e seus homens não a tinham descoberto, porque a fechadura do
quarto tinha sido desmontada. De resto, tudo estava como Gabriel lembrava: a mesma
cama com dossel rendado, os mesmos brinquedos e bichos de pelúcia, a mesma
penteadeira rústica acima da qual estava pendurado o mesmo quadro, Marguerite Gachet à
sua penteadeira, óleo sobre tela, de Vincent van Gogh. Gabriel executara a única
restauração do quadro em uma casa vitoriana segura nos arredores de Londres, pouco
antes de sua venda — privada, é claro — para Zizi al-Bakari. O trabalho, pensou, tinha
se mantido bem. A pintura estava perfeita, exceto por uma fina linha horizontal perto do
topo da imagem, traço que Gabriel não tentara restaurar. A linha era culpa de Vincent,
que tinha apoiado outra tela na pobre Marguerite antes que ela estivesse suficientemente
seca. Zizi al-Bakari, connoisseur de arte e terrorista do jihad, tinha considerado que a linha
era prova da autenticidade do quadro — e da autenticidade da bela jovem americana que
o vendera a ele, uma historiadora da arte formada em Harvard.
Paul Rousseau não sabia nada disso. Ele estava olhando não para o quadro, mas para
Gabriel, seu pássaro na gaiola, sua raridade.
— É de se imaginar por que ela escolheu pendurar aqui e não na sala — disse,
depois de um momento. — E por que, na morte, decidiu deixá-lo logo para você.
Gabriel tirou os olhos do quadro e fixou-os diretamente no rosto de Paul Rousseau.
— Talvez devêssemos deixar uma coisa clara desde o começo — disse ele. — Não
estamos aqui para resolver rusgas antigas. Nem vamos relembrar velhas histórias.
— Ah, não — concordou Rousseau, apressadamente —, não temos tempo para isso.
Mas seria um exercício interessante, mesmo que só por diversão.
— Tome cuidado, monsieur Rousseau. As velhas histórias estão espreitando.
— Pois estão — Rousseau sorriu docilmente.
— Tínhamos um acordo — disse Gabriel. — Eu venho a Paris, você me dá o
quadro.
— Não, monsieur Allon. Primeiro, você me ajuda a encontrar o homem que
bombardeou o Centro Weinberg e depois eu lhe dou o quadro. Fui bem claro com seu
amigo Uzi Navot — Rousseau olhou inquisitivamente para Gabriel. — Ele é seu amigo,
não é?
— Costumava ser — respondeu Gabriel, friamente.
Caíram em um silêncio confortável, ambos olhando o Van Gogh, como estranhos
em uma galeria.
— Vincent deve tê-la amado muito para pintar algo tão belo — disse Rousseau,
enfim. — E logo pertencerá a você. Estou tentado a dizer que você é um homem muito
sortudo, mas não vou. Sabe, monsieur Allon — completou, com um sorriso triste —, eu
li seu arquivo.

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