A Viúva Negra

(Carla ScalaEjcveS) #1

S


RUE PAVÉE, PARIS

erviços de inteligência de nações diferentes não cooperam porque querem. Cooperam
porque, como pais divorciados de crianças pequenas, às vezes acham necessário
trabalhar juntos para o bem maior. Antigas rivalidades não desaparecem da noite para o
dia. Elas repousam sob a superfície como feridas de uma traição, aniversários
esquecidos, necessidades emocionais negligenciadas. O desafio de dois serviços de
inteligência é criar uma zona de confiança, um lugar onde não haja segredos. Fora desse
lugar, eles têm a liberdade de ir atrás de seus próprios interesses. Mas, uma vez ali, cada
um tem a obrigação de desnudar suas fontes e seus métodos mais estimados para o
outro. Gabriel tinha muita experiência nessa seara. Com seu talento natural de
restaurador, tinha reparado as relações do Escritório tanto com a CIA quanto com o
serviço secreto de inteligência da Inglaterra. A França, porém, era um caso mais difícil.
O país era há muito uma importante arena operacional para o Escritório, e especialmente
para Gabriel, que tinha uma longa lista de pecados secretos em solo francês. Além disso,
a França apoiava abertamente muitos dos inimigos mais implacáveis de Israel. Em
resumo, os serviços de inteligência israelense e francês não gostavam muito um do
outro.
Nem sempre foi assim. A França havia fornecido armas a Israel em seus primórdios,
e sem a ajuda francesa, Israel nunca teria desenvolvido as armas nucleares de intimidação
que permitiram sua sobrevivência no hostil Oriente Médio. Mas, nos anos 1960, depois
da desastrosa guerra na Argélia, Charles de Gaulle resolveu restaurar as relações
estremecidas da França com o mundo árabe — e, quando Israel, usando muitas das
aeronaves francesas, começou a Guerra dos Seis Dias com um ataque-surpresa no
espaço aéreo egípcio, De Gaulle condenou o país. Ele se referiu aos judeus como “um
povo elitista, arrogante, dominador”, e a ruptura foi total.
Agora, tomando café na sala do apartamento da família Weinberg na rue Pavée,
Gabriel e Rousseau começavam a reparar, pelo menos temporariamente, esse legado de
desconfiança. O primeiro item da agenda era elaborar um acordo operacional básico, um
plano de como os dois serviços trabalhariam juntos, uma divisão de trabalho e de
autoridade, as regras do jogo. Deveria ser uma parceria verdadeira, embora, por
motivos óbvios, Rousseau fosse manter a primazia sobre quaisquer aspectos da operação
em território francês. Em troca, Gabriel receberia acesso total aos volumosos arquivos
da França sobre milhares de extremistas islâmicos que viviam dentro das fronteiras do
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